editorial do Estadão
A presidente Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores (PT) têm
introduzido no debate público uma não pequena confusão, quando tratam do
financiamento de campanha e corrupção. Uma coisa é o fim do
financiamento das campanhas eleitorais por parte de empresas, que está
no momento em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e já conta
com 6 votos a favor da sua proibição. Outra coisa - porque sua causa não
é o sistema atual de financiamento, mas o modo como se lida com a coisa
pública - é a corrupção, cujas denúncias envolvem cada vez mais
extensamente o PT e as empresas estatais por ele aparelhadas. Por que,
então, confundir, tratando uma como causa da outra?
O último porta-voz dessa intencional confusão foi Miguel Rossetto,
ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e um dos coordenadores da
campanha de Dilma Rousseff. Em entrevista ao jornal Valor, Rossetto
afirmou: "Esse modelo (de financiamento pelas empresas) se tornou um
grande instrumento que financia a corrupção no nosso país.
Permanentemente eu assisto a bons empresários dizendo que se sentem
escorchados por nós, políticos. (...) Cresce a compreensão de que grande
parte da agenda da corrupção que envolve o Estado brasileiro é
estimulada por um sistema de financiamento que liga de uma forma
equivocada o interesse empresarial e a estrutura pública. A democracia
não pode ser um momento de investimento econômico por parte de empresas e
nem de agentes públicos".
Atribuir a culpa pela corrupção ao atual sistema, que permite que
empresas financiem campanhas políticas, é um argumento falso. Todo e
qualquer sistema é passível de corrupção. Achar que a proibição das
doações de empresas assegurará campanhas eleitorais eticamente puras não
é ingenuidade - é uma tremenda falsidade. Além de isentar de culpa os
que vêm praticando corrupção - seriam vítimas do sistema -, fazer essa
associação é, por tabela, afirmar que todos os atuais participantes do
jogo político são igualmente corruptos. E isso beira a calúnia.
Acabar com a possibilidade de que empresas financiem campanhas políticas
é uma medida institucionalmente saudável, mas não pelo argumento de
combate à corrupção. O motivo é simples: as empresas não têm direito a
voto. E as suas contribuições para as campanhas influenciam o voto de
quem detém o direito a ele - o cidadão. Permitir que empresas façam
doações às campanhas eleitorais é atribuir-lhes um protagonismo político
a que elas não têm direito. Os direitos políticos pertencem às pessoas
físicas.
Outro legítimo motivo que sustenta o fim do financiamento das campanhas
pelas empresas - o que não significa a extinção do "financiamento
privado de campanha", pois é legítima a possibilidade de as pessoas
físicas fazerem doações - é a relação que se estabelece entre empresas e
governo.
Na prática, as grandes doadoras de campanha são as empresas com forte
atuação em projetos públicos, ou seja, o dinheiro das campanhas acaba
vindo indiretamente do governo. Essa relação não envolve necessariamente
corrupção, mas tal proximidade de interesses também não é desejável
numa democracia - e, portanto, é melhor evitá-la.
Reconhecer a legitimidade da proibição do financiamento das campanhas
políticas por parte das empresas nada tem a ver com o argumento do PT,
que na prática é uma tentativa de considerar inevitável a corrupção. Por
que será que estão levantando esse tema do financiamento - que já está
nas mãos do STF - logo agora, após as eleições vencidas por eles e nas
quais receberam vultosas doações?
Até parece que isso é uma cortina de fumaça criada para esse momento,
quando se começam a investigar atos concretos, de pessoas concretas e de
partidos concretos, com base em denúncias cujas dimensões tornam o
mensalão um caso de jardim de infância.
É um grave desserviço à democracia misturar coisas diversas, usando
maliciosamente uma boa medida - o fim das doações de empresas às
campanhas políticas - para tentar explicar ou mesmo justificar a
corrupção. A democracia brasileira já amadureceu e não aceita esse tipo
de jogada.
FONTE ROTA2014
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