Rogério Furquim Werneck
O Globo
É melhor prestar atenção ao que anda dizendo o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, goste-se dele ou não
Quem ainda nutre a esperança de que o governo possa imprimir rumo mais
promissor à política econômica, em 2015, deve acompanhar com atenção o
que vem sendo dito por Aloizio Mercadante, ministro-chefe da Casa Civil
da Presidência.
Em reunião com a bancada petista na Câmara, na semana passada, o
ministro foi direto ao ponto: “A política econômica do segundo governo
não pode ser a que foi derrotada. A nossa prioridade é emprego e renda. A
nossa agenda não é a do mercado.” (O GLOBO, 14/11).
Dois dias depois, em entrevista no Palácio do Planalto a Míriam Leitão,
na GloboNews, Mercadante deixou claro que, três semanas após o segundo
turno, o governo continua aferrado ao discurso econômico descolado da
realidade a que se apegou durante a campanha eleitoral.
Bem-falante, o ministro consegue repetir de forma mais articulada os
argumentos que Dilma tentava brandir ao longo da campanha. Mas, ao ser
mais claro, Mercadante torna ainda mais evidente a absurda dissonância
cognitiva que vem marcando o discurso do governo.
O que se ouviu foi uma longa fieira de mistificações. A estagnação da
economia é simples desdobramento da desaceleração da economia mundial.
Se olharmos nosso entorno na América Latina, a situação não é diferente.
Não há nada errado com a política de combate à inflação. O Banco
Central sempre teve autonomia operacional. A presidente não fala sobre
juros. A inflação sempre esteve dentro da meta. Não houve nenhum
represamento de preços de energia elétrica e combustíveis. Ao contrário
do que se alega, a política econômica foi uma escolha vitoriosa. O
reconhecimento do êxito desse projeto foi dado pelos “54 milhões de
votos, 3,5 milhões a mais que o segundo colocado, um Uruguai a mais”.
O ministro acha que o Brasil vem tendo desempenho fiscal exemplar: “Só
cinco países do G-20 têm superávit primário. E o Brasil é um deles.”
Indagado sobre a desastrosa evolução recente das contas públicas, o
ministro esfalfa-se para dissimular o descontrole fiscal do ano
eleitoral de 2014 como política anticíclica. “Nós fizemos uma opção...
proteger o emprego, proteger o salário... O Estado tem que fazer uma
política anticíclica, como todas as principais economias estão fazendo.”
Como, até o fim de setembro, o Tesouro vinha assegurando que a meta
anual de superávit primário seria cumprida, a alegação não faz sentido. A
não ser que estejamos diante de um caso raro de política anticíclica
secreta, da qual ninguém jamais teve conhecimento prévio.
Mas a pior parte da entrevista foi a justificativa fervorosa da
disparatada proposta de alteração da LDO, para que, da meta fiscal,
possam ser deduzidos todos os gastos do PAC e as perdas de receita
decorrentes de desonerações. Segundo o ministro, é mais do que razoável
descontar da meta os grandes itens responsáveis pela deterioração do
superávit primário. O desconto é “só onde cresceu”.
A analogia que vem à mente é a de um paciente, comprometido com uma meta
de controle de peso, que sugere ao cardiologista que, do número
apontado na balança do consultório, seja descontado o peso estimado da
gordura adicional que acumulou na cintura desde a última consulta.
Em face do risco cada vez mais alto de um vergonhoso rebaixamento da
dívida soberana do país, é espantoso que o Planalto se permita adotar
discurso tão acintosamente explícito de defesa da irresponsabilidade
fiscal. Já não há nem mesmo preocupação em manter as aparências.
Vale notar que o ministro-chefe da Casa Civil nunca esteve tão à vontade
para falar de política econômica. Tudo indica que essa súbita
loquacidade, em matéria que sempre lhe foi vedada, conta agora com
aprovação prévia da presidente. Tendo reduzido a estatura de Guido
Mantega à de ministro demitido já há mais de dois meses, Dilma carecia
de um porta-voz que pudesse falar de economia em seu nome, enquanto, sem
pressa, escolhe um substituto.
É bom, portanto, levar a sério o que anda dizendo a Casa Civil. Goste-se
ou não, Mercadante parece ser o arauto do que vem por aí. Preparem-se.
fonte rota2014
0 comments:
Postar um comentário