Luiz Carlos Mendonça de Barros FOLHA DE SÃO PAULO
No final da campanha para as eleições presidenciais de 2002, reza a
lenda, o futuro ministro Antonio Palocci pegou o candidato pelo braço e
mostrou a ele as portas do inferno, ou melhor, os preços negociados nos
mercados futuros da BM&F.
Segundo ele, com o dólar acima de R$ 4,00, as projeções de inflação
superando 15% ao ano e as cotações das principais ações brasileiras no
chão, o futuro governo petista morreria antes de começar a governar.
Lula entendeu o recado dos pregões da BM&F –a maior e mais líquida
Bolsa de Futuros do mundo emergente–, mudou seu discurso e publicou a
famosa Carta ao Povo Brasileiro.
Algo parecido deve ter ocorrido agora com a presidenta Dilma. Sem a
confiança dos principais agentes econômicos, e com as nuvens no
horizonte político carregadas pelo escândalo da Petrobras, a repetição
do fracasso do primeiro mandato na economia seria mortal para seu
governo. Talvez tenha sido a porta do inferno político –mais do que a
BM&F– que tenha obrigado Dilma Rousseff a romper com suas convicções
econômicas.
Mas é importante qualificar as mudanças de agora para que não se criem
expectativas falsas em relação a esses dois episódios marcantes da
história recente da política no Brasil. Quando Lula mudou seu discurso e
entregou a Meirelles e Palocci o comando da economia, o crescimento
chinês começava a chegar à economia brasileira via o canal dos preços de
nossos principais produtos de exportação.
Além dessa força expansionista externa, a economia brasileira tinha
vários segmentos importantes com elevada capacidade ociosa, o que
permitia um ganho rápido de produtividade caso houvesse uma expansão
vigorosa da demanda.
O desemprego de mais de 12% da população economicamente ativa –PEA–
garantia um mercado de trabalho favorável às empresas, com muito pouca
pressão por maiores salários. O volume de crédito na economia era muito
baixo, principalmente no segmento de financiamento aos bens de consumo.
Nossa infraestrutura econômica –portos e estradas, principalmente– não
tinha sinais de congestionamento. E, finalmente, a valorização do real
ante ao dólar, em razão do rápido ajuste de expectativas, provocou um
choque de deflação via os produtos precificados em dólares, fazendo com
que a inflação convergisse, sem grandes esforços do Banco Central, na
direção do chamado centro da meta.
A conjuntura econômica no segundo mandato da presidenta Dilma será
completamente diferente da encontrada por Lula em 2003. O mercado de
trabalho está ainda muito pressionado, com a taxa de desemprego na
mínima histórica, e a China de hoje nada tem de semelhante com a
existente nos anos Lula.
O consumidor brasileiro está endividado, com pouco espaço para alavancar sua renda pessoal.
Finalmente, a inflação estará acima dos 7% ainda na primeira metade de
2015 depois dos ajustes que serão feitos em preços controlados
importantes.
Os primeiros dois anos do segundo mandato de Dilma serão de ajustes
importantes –recessivos, como gostam de carimbar os economistas do PT
jogados agora na oposição ao governo– e que na melhor das hipóteses
manterão a economia crescendo algo perto de 1% ao ano.
A única força de expansão que estará atuando será um ajuste positivo na
expectativa de consumidores e empresas, pois estavam todos esperando uma
catástrofe que agora não virá. Mas esse ajuste não virá de imediato,
pois muitos vão trabalhar com a hipótese de vida curta para o ministro
das mãos de tesouras.
Por essas razões a mudança inesperada da política econômica –de forma
diversa da ocorrida com Lula em 2003– encontrará desafios mais difíceis e
exigirá da equipe econômica muito bom senso para não exagerar na dose
de ortodoxia. De qualquer forma, temos que receber as decisões tomadas
pela presidenta com palmas e esperar que ela tenha sucesso na sua
empreitada.
Talvez fosse mais fácil, para um analista como eu, jogar no time de que
tudo vai dar errado e continuar a apostar no caos. Mas não me parece a
atitude correta neste momento, até porque a probabilidade de sucesso é
bem maior do que o mercado financeiro vem precificando.
FONTE ROTA2014
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