Como o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, depois de descoberto por Silvinho Pereira e chancelado por José Dirceu, ascendeu da modesta gerência de contratos para o comando de obras faraônicas na estatal e conseguiu acumular riqueza
A cobertura suntuosa em endereço nobre na Barra da Tijuca, Rio de
Janeiro, foi decorada por um badalado escritório de arquitetura. Paredes
e tetos receberam revestimentos de altíssimo nível. Cômodos foram
preenchidos por móveis assinados e objetos de arte – algumas telas de
jovens pintores em ascensão. Quando a reforma terminou, os amigos mais
próximos improvisaram um trocadilho elogioso. “Duque, agora você tem o
seu palácio!”. A ostentação incomodou os vizinhos, que tentaram embargar
a obra diversas vezes, acusando-o de violar as leis do condomínio e da
prefeitura. Renato Duque deu de ombros. “Sou dono do prédio”, disse. E
não estava mentindo.
O edifício onde mora foi ele mesmo que ergueu. Associou-se a uma
desconhecida construtora chamada Fercon, executou a obra e depois cobriu
parte do custo com a venda de um dos apartamentos. Outros dois ele doou
para as filhas. Sua cobertura duplex vale hoje R$ 4,5 milhões, mas o
preço vai subir quando chegar o metrô, que acoplará esse pedaço da Barra
à zona sul carioca.
O crescimento patrimonial de Duque se estende à família. O filho comprou
recentemente um imóvel ao lado e nem precisou vender o que havia ganho
do pai no Canal de Marapendi, a uns seis quilômetros dali. O ex-diretor
da Petrobras também não se desfez do apartamento em que morava na
Tijuca, bairro de classe média. Adquiriu duas lojas comerciais de alto
padrão e construiu uma casa de veraneio em Penedo, cidade turística de
colonização finlandesa. Também investiu na compra de dólares e joias.
Tudo isso, somado aos R$ 3,2 milhões bloqueados pelo Banco Central em
suas contas bancárias indicaria que o patrimônio de Duque hoje superaria
facilmente os R$ 15 milhões.
Sem contar as somas oriundas de propinas recebidas de contratos da
Petrobras que teriam sido depositadas em contas na Suíça. Os delegados
da PF ensaiam um raciocínio que encontra respaldo na lógica financeira
do crime: se o gerente abaixo de Duque, Pedro Barusco, se comprometeu a
devolver R$ 250 milhões, imagina quanto o chefe dele conseguiu acumular.
“O Duque não vai poder se calar porque vai ter que explicar a riqueza
que ele amealhou”, disse o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato.
Renato de Souza Duque era um homem maduro, na casa dos 48 anos, quando o
PT chegou ao governo, em 2003. Natural de Cruzeiro (SP), fez a vida no
Rio de Janeiro. Formou-se engenheiro pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) e entrou para os quadros da Petrobras em 1978. Foi
gerente de plataformas flutuantes, depois superintendente de perfurações
na Bacia de Campos, gerente de contratos de perfuração e ainda de
recursos humanos da área de exploração e produção. Também gerenciou a
divisão de engenharia e tecnologia de poços, retornando em seguida para a
gerência de contratos.
Em 2003, já era engenheiro sênior da companhia quando foi descoberto
pelo então secretário-geral do PT Silvio Pereira. “Silvinho Land Rover”
fora escalado pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, para
encontrar um funcionário de carreira “inteligente e discreto”, e acima
de tudo fiel, capaz de assumir a mais estratégica diretoria da estatal.
Duque se enquandrava no perfil. Pai de família, homem de poucas
palavras, metódico, ambicioso e com enorme capacidade de trabalho.
Afinal, a Diretoria de Serviços era composta por seis áreas, respondendo
tanto pela assistência médica dos empregados e por rodar a folha de
pagamento como pelas pesquisas, toda a área de tecnologia da informação e
telecomunicações, assim como pelo cadastramento de fornecedores, a
compra de equipamentos e a condução de grandes empreendimentos da
companhia, sejam plataformas, sejam refinarias ou gasodutos.
Os colegas da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), entidade
de classe que frequentava, se surpreenderam com a ascensão de Duque. Da
modesta gerência de contratos ele saltou para o comando de obras
faraônicas, com o poder de fechar e pagar contratos e negociar
diretamente com executivos de grandes empreiteiras. E nunca se fez tanta
obra e se fechou tanto contrato bilionário. O crescimento da demanda
por energia e de materiais refinados levou a Petrobras a redesenhar sua
estratégia de produção, colocando em prática um amplo plano de
investimentos. Duque era o cara certo, no lugar certo, na hora perfeita.
Ainda em 2003, ele tentou emplacar, a pedido da Odebrecht, obra de um
gasoduto para levar a produção do Rio de Janeiro para Ilhabela (SP). O
empreendimento orçado em R$ 5 bilhões foi vetado, pois a utilização de
navios para transportar a produção era menos onerosa. Mas o estilo
ambicioso de Duque agradou a seus padrinhos políticos, para quem obras
caras eram sinônimo de gordas propinas ou “comissões”, como eles gostam
de dizer. Assim, em pouco tempo, ele se tornou, nas palavras de
companheiros de firma, o “arrecadador mor” do PT no esquema da
Petrobras.
A atuação de Duque na companhia ganhou cores novas com a parceria de
Pedro Barusco. Diferentemente do diretor, que nessa época ainda não
pensava em morar na Barra e cultivava o futsal com amigos num clube de
Laranjeiras, Barusco era espalhafatoso e adorava ostentar, mesmo que sua
conta bancária ainda não sustentasse o estilo de vida de xeique árabe.
Colegas contam que o recém-nomeado gerente de Engenharia, morador de
Joatinga, um minúsculo e valorizadíssimo bairro carioca, entre São
Conrado e Barra da Tijuca, levava tacos de golfe para as reuniões de
trabalho na estatal.
Entre uma planilha e outra, exibia-se contando quanto havia custado o
novo passatempo. Mas o jeito, digamos assim, mais extrovertido de
Barusco harmonizava bem com a seriedade de Duque, numa estratégia eficaz
para cultivar sócios e abrir novas frentes de negócios. O gerente era o
“relações-públicas” da parte que cabia ao PT no esquema e Duque o
responsável por criar métodos de arrecadação sem despertar grandes
suspeitas.
Tinham contato diário, pessoalmente ou por telefone. Viajavam para o o
exterior para visitar obras ou estaleiros em Cingapura, Coreia do Sul,
Japão, China. Tornaram-se unha e carne. Apesar da relação estreita,
Duque e Barusco mantinham a relação no estrito campo profissional. Não
se frequentavam socialmente. Por outro lado, Duque tornou-se grande
amigo de João Vaccari Neto, o tesoureiro do PT. “Tivemos uma empatia”,
disse à PF. Passaram a jantar em restaurantes chiques de São Paulo e do
Rio de Janeiro. Vaccari abriu os olhos do diretor para os prazeres
efêmeros da vida.
O divisor de águas apontado por gerentes da Petrobras na estratégia de
onerar obras e transformar aditivos em propina foi a modificação do
método de seleção das empreiteiras. Antes, a companhia formulava os
projetos básicos das obras que lançaria em editais. Assim, as empresas
só poderiam apresentar propostas com preços unitários para concorrer.
Duque reformulou o procedimento. Entregou às empreiteiras o direito de
apresentar o projeto que melhor caberia, só após a seleção. Com isso,
abriu a porta para bilhões em aditivos.
A satisfação do PT com os serviços prestados por Duque era tamanha que
em março de 2010 o deputado estadual Gilberto Palmares (PT-RJ) decidiu
fazer uma homenagem formal ao diretor. Usou sua influência de
parlamentar para encaminhar uma honraria a Duque. Concedeu ao engenheiro
o título de cidadão do Rio de Janeiro, em solenidade na Assembleia
Legislativa do Estado.
O reinado durou até fevereiro de 2012, quando Graça Foster assumiu a
presidência da companhia. Ele aproveitou a oportunidade para deixar a
estatal. Os padrinhos de Duque ainda tentaram emplacar um sucessor, mas a
nova presidente insistiu em escolher o substituto. Richard Olm foi o
escolhido.
Barusco saiu antes, em 2011, para integrar a direção da Sete Brasil ao
lado de João Carlos Ferraz, gerente financeiro da Petrobras e homem de
confiança de Almir Barbassa, diretor financeiro da Petrobras. A Sete foi
a primeira empresa brasileira dona de sondas de exploração capazes de
operar no pré-sal e as alugava para a Petrobras.
Duque abriu sua consultoria e entrou para a lista de investigados do
esquema desbaratado pela Lava Jato após o depoimento de delação premiada
de um ex-colega, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. O
delator afirmou que Duque recebia propinas de empreiteiras, para
facilitar contratos.
A versão foi detalhada pelos executivos da Toyo Julio Camargo e Augusto
Mendonça, que denunciaram o pagamento de R$ 50 milhões em propina a
Duque na compra de sondas, na obra da Repav, de Cabiúnas 2, da Repar, do
Comperj e até do gasoduto Urucu-Manaus. Do total, R$ 12 milhões teriam
sido depositados numa conta chamada Drenos, no banco Cramer, na Suíça.
À PF, Duque rejeitou todas as acusações. Disse não possuir contas no
exterior e negou a existência de um cartel de empreiteiras que acertavam
contratos superfaturados com a Petrobras. Admitiu, porém, ter recebido
R$ 1,6 milhão da UTC por serviços de consultoria prestados à
empreiteira. Ele recebeu o dinheiro na conta da 3DTM Consultoria,
empresa que abriu dois dias antes de pedir exoneração da Petrobras em 25
de abril de 2012.
fonte rota2014
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