editorial de O Globo
O mensalão é a ponta de um esquema avantajado de desvio de dinheiro público, do qual faz parte o petrolão. Mas não se contava com o vigor de instituições republicanas
À luz do mensalão e, agora, do petrolão, pode-se dizer, dentro de uma perspectiva histórica, que não é por mera coincidência que, em doze anos de lulopetismo no Planalto, construiu-se o mais articulado e amplo esquema de corrupção na máquina pública de que se tem notícia, a fim de drenar dinheiro de estatais para financiar um projeto de poder.
Não é por acaso que em 2004, enquanto o mensalão, cujo embrião está na campanha eleitoral de 2002, já funcionava a contento, o "amigo Paulinho" — como o presidente Lula tratava Paulo Roberto da Costa —, funcionário da Petrobras, era nomeado diretor de Abastecimento da estatal, indicado pelo PP do deputado José Janene (PP-PR), este também um mensaleiro. O nome saído do bolso do colete do aliado Janene foi bem aceito pelo lulopetismo. Falecido, Janene não pode colaborar com as investigações do petrolão, do qual o seu apadrinhado foi peça-chave, pelo que já se sabe de depoimentos do próprio ex-diretor da Petrobras prestados sob acordo de delação premiada.
Não
se discute se houve um assalto bem organizado aos cofres da Petrobras
patrocinado por diretores — algo tão extraordinário que acionou os
mecanismos americanos de vigilância do mercado de títulos do país, usado
pela Petrobras como fonte de capitalização, para também investigar o
escândalo e buscar responsáveis. Não se discute porque o próprio “amigo
Paulinho” se declara culpado e, para reduzir penas, compromete-se a
ajudar na elucidação do caso.
Lulopetistas
costumam defender o partido, desde a descoberta do mensalão, em 2005,
com a surrada justificativa de que "todos fazem". É a escapatória da
banalização do crime, para tentar reduzir sua gravidade. A própria
candidata Dilma Rousseff escorregou na campanha da reeleição ao dizer
que há corruptos em todos os lugares. Fez lembrar o presidente Lula, na
histórica entrevista em Paris, depois que o então aliado Roberto
Jefferson (PTB-RJ) denunciou o mensalão, quando afirmou que o PT fez o
que todo partido fazia.
O mensalão foi desbaratado, informações colhidas por CPI, pela PF e
Ministério Público instruíram um processo julgado de forma exemplar pelo
Supremo, de que resultou a prisão de petistas estrelados: o ex-ministro
José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoíno e o ex-tesoureiro
petista Delúbio Soares. Além de aliados e cúmplices.
Pois agora, no petrolão, Mario Oliveira Filho, advogado de Fernando
Soares, o “Fernando Baiano”, acusado de operar — verbo usado em sentido
malicioso no submundo da política —na Petrobras, em nome do PMDB, segue
na trilha da banalização e diz que não se consegue obra pública sem
propinas. Tenta-se jogar areia nos olhos da opinião pública.
Não há uma corrupção aceitável e outra reprovável. Há o crime de
malversação do dinheiro público a ser investigado e punido. Os casos do
mensalão e petrolão — delinquências de mesma célula-tronco — mostram um
padrão de drenagem do dinheiro do contribuinte. São malhas tecidas entre
partidos e políticos, estatais, empreiteiras, empresas públicas,
sindicalistas e, conforme mostrou o GLOBO no fim de semana, fundos de
pensão de empresas públicas, tudo numa dimensão jamais vista no submundo
da política brasileira, tendo como objetivo estratégico um projeto de
perpetuação no poder. É claro, com os inexoráveis desvios feitos para
enriquecimento particular. Afinal, a carne é fraca.
O mensalão mostrou apenas a ponta de uma máquina avantajada de corrupção
que agora fica mais visível à medida que avança a investigação sobre o
esquema na Petrobras, com suas diversas conexões, como a dos fundos de
pensão Não se trata de um crime sem implicações. O próprio estado de
direito democrático ficou ameaçado, pois o plano visa a comprar apoio no
Legislativo e se perpetuar no Executivo pelo voto capturado por
políticas populistas. Mas não se contava com o vigor de instituições
republicanos brasileiras.
FONTE ROTA2014
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