Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O petróleo é deles


Por Cacá Diegues
O Globo -
O escândalo na Petrobras não é apenas mais um problema doméstico de corrupção. Ele pôs em jogo a credibilidade, em nível mundial, da empresa e do próprio país
Quando lemos no jornal alguma coisa que nos surpreende, às vezes nos sentimos com direito à dúvida. Será que o fato aconteceu daquele jeito mesmo? O repórter não estaria exagerando ou minimizando o evento? O sujeito disse exatamente aquilo? Mas quando a pessoa fala ao vivo na tela de nossa televisão, no noticiário da hora do jantar, sem ninguém por perto para obrigá-lo a dizer o que diz, fica difícil duvidar do que aconteceu. E deve ser isso mesmo o que ele pensa.
 Foi assim que me senti quando vi e ouvi, no “Jornal Nacional”, o doutor Mario de Oliveira Filho, advogado do lobista Fernando Soares ou Fernando Baiano, um dos presos na Operação Lava-Jato, reveladora desse caso das propinas na Petrobras, falar de sua versão sobre o assunto.
Segundo ele, os empresários acusados e detidos naquela Operação são, não só inocentes, como também vítimas de nossos costumes políticos. Quem o nega “desconhece a história do país”. Ou seja, como somos todos cidadãos brasileiros, sujeitos de sua história, eleitos e eleitores num mesmo processo de representação popular, temos que nos conformar com o fato de que somos todos ladrões, pela força mesma da natureza das coisas.
Doutor Mario insinuou que seu cliente e demais colegas devem ser tratados como verdadeiros heróis da nação, a sacrificar o bolso de suas empresas para garantir o progresso do país através dos serviços prestados por suas empreiteiras. Se o empresário não fizer composição com políticos e autoridades pagando propinas, “não coloca um paralelepípedo no chão”. Sem eles e o dinheiro que distribuem para contratar suas obras, o progresso estanca, o país para. Portanto, é justo que pratiquem sobrepreço em seus contratos para que, com o excesso de recursos, atendam ao que essas inocentes empreiteiras estão chamando eufemisticamente de “extorsão”.
Há muito tempo não me choco tanto com uma declaração pública. O advogado dos bandidos afirma que eles têm que ser bandidos para poder servir ao país. Temos que ter pena deles, reconhecê-los e perdoá-los. Em que país queremos viver?
Não é possível que não se entenda que as regras existem para que a convivência com os outros seja possível. Sobretudo as regras de comportamento que se transformam em regras legais. São elas que garantem a possibilidade do bem-estar da sociedade, sem discriminação alguma. O Código Penal não é um capricho de autoridades desocupadas, mas a constituição de punições para o que não podemos fazer em detrimento dos outros. Os códigos podem até merecer correções, mas existem para que respeitemos a nós mesmos e ao que é o direito dos outros.
Os recursos que as empreiteiras gastam para comprar acesso às obras não são delas, mas do Estado e, portanto, da população. Seu uso em roubalheiras, além de imoral em si, sacrifica investimentos em setores mais necessitados da sociedade, como a educação e a saúde, esses temas batidos pelos quais vamos tanto às ruas. Justificar crimes cometidos em busca desses recursos, também é criminoso.
O escândalo na Petrobras não é apenas mais um problema doméstico de corrupção. Ele pôs em jogo a credibilidade, em nível mundial, da empresa e do próprio país. Papéis da Petrobras são negociados na Bolsa de Nova York e ela está sendo agora investigada pela SEC (Securities and Exchange Comission) e pelo Departamento de Estado americano. A SBM, da Holanda, está sendo processada pela Justiça holandesa por suborno envolvendo o Brasil. Os próprios vendedores de Pasadena, falcatrua de compra da empresa, estão ameaçando queixas e processos. Em breve, o Brasil pode vir a ser um porto livre a serviço de piratas do mundo inteiro, a “casa da mãe joana” dos negócios internacionais.
Se o Brasil parar por causa da justiça que se deve fazer com as empreiteiras, não tem problema: recomeçamos com outro roteiro de futuro. Se precisarmos escolher entre civilização e progresso, temos que ficar sempre com a civilização.
 Cacá Diegues é cineasta



fonte averdadesufocada

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