ESTADO DE SÃO PAULO
Ives Gandra da Silva Martins
As palavras "ética" e "moral" têm sua origem na Grécia e em Roma.
Tornaram-se sinônimas de "bons costumes". Na realidade, ética (ethos),
de etimologia grega, e moral (mos, moris), de etimologia romana, têm,
todavia, conteúdo distinto pela própria conformação dos vocábulos. Nas
nações onde surgiram, os gregos, mais especulativos que práticos - nunca
conseguiram conformar um império, nem mesmo com Alexandre -, colocavam a
ética no plano ideal, como se pode ler na Ética a Nicômano, de
Aristóteles.
Os romanos, que graças à herança cultural grega, acrescida da
instrumentalização do Direito, influenciaram a História do mundo com
presença durante 2.100 anos (753 a.C. a 1.453 d.C.), quando da queda de
Constantinopla, deram à palavra "moral" um sentido pragmático de
aplicação real à vida cotidiana.
Pessoalmente, entendo que essa diferença de origem permite deduzir que
"ética" e "moral" se completam - não aceito as diversas distinções que
se fazem sobre a subordinação de um conceito ao outro -, sendo a "ética"
a face da moral no plano ideal e a "moral" a face da ética no plano
prático.
De qualquer forma, tanto durante o domínio de gregos quanto dos romanos,
a ética e a moral eram símbolos dos bons costumes a serem preservados
pelos governos. Infelizmente, já há longo tempo as noções de bons
costumes, de ética e de moral deixaram de ser símbolos do governo
brasileiro.
O episódio do mensalão apenas descerrou a cortina do que ocorria nos
porões da administração federal, agora com a multiplicação de escândalos
envolvendo diretamente os partidos do governo e de apoio, a principal
estatal brasileira e inúmeras empresas, que, provavelmente, seriam mais
bem enquadradas na figura penal da "concussão" (pagar à autoridade por
falta de alternativa possível de atuar sem pagamento) do que na de
"corrupção ativa" (corromper a autoridade para obter vantagem).
A própria propaganda oficial, para obter uma votação que deu à
presidente apenas 38% dos votos dos eleitores inscritos - financiada
pelos partidos mencionados nos desvios de dinheiro público e privado -,
foi, segundo seus próprios articuladores afirmaram, lastreada na
"desconstrução de imagens" e "ocultação da verdade", com o que, por
ínfima margem, conseguiram a vitória a 28 minutos do encerramento da
contagem oficial, quando a presidente ultrapassou o candidato da
oposição, com quase 90% de votos apurados.
O marqueteiro, que se especializou em enganar o eleitor dizendo que a
economia andava muito bem, sem dizer a verdade sobre o aumento do
desemprego, a queda constante do PIB, o crescimento da inflação, as
maquiagens do superávit primário, o déficit da balança comercial, a
elevação dos juros - que ocorreu três dias depois do resultado -, o
fracasso da contenção do desmatamento, além de outros inúmeros apelos
populistas, conseguiu desconstruir "imagens" de cidadãos de bons
costumes (Marina Silva e Aécio Neves) e iludir o povo que, por escassa
margem de votos, outorgou à presidente mais um mandato.
Nesse mercado de ilusões, chegou a presidente a dizer que ela estava
apurando as irregularidades ocorridas na Petrobrás, quando, na verdade,
duas instituições, que não prestam vênia ao poder, é que o estavam
fazendo, com competência e eficácia, à revelia da chefe do Executivo: a
Polícia Federal e o Ministério Público. Se realmente pretendesse a
apuração, não teriam seus partidos de sustentação torpedeado a CPI da
Petrobrás.
Comentei - não me lembro para que jornalista - que a presidente deveria
nomear seu marqueteiro para o Ministério da Fazenda, pois se iludiu o
eleitorado sobre o PIB, emprego, desmatamento, moralidade, etc., deve
saber iludir também os investidores, mostrando-lhes que a economia
brasileira vai muito bem.
O certo, todavia, é que nunca na História brasileira houve tanta
exposição de maus costumes governamentais como nos governos destes
últimos 12 anos.
Se um empresário sofresse assaltos em sua empresa durante oito anos, em
R$ 10 bilhões, e não percebesse nada, ou seria fantasticamente
incompetente ou decididamente conivente. Quando presidi a Academia
Paulista de Letras, meu saudoso confrade Crodowaldo Pavan perguntou-me
se sabia quanto dura 1 bilhão de segundos. Disse-lhe que não sabia.
Contou-me, então, que 1 bilhão de segundos correspondem a 31 anos e
meio! Nós não temos dimensão do que seja R$ 1 bilhão. E já foram
detectados desvios de, pelo menos, R$ 10 bilhões!!!
Compreende-se a razão por que o governo, acuado por tais escândalos,
procurou editar o Decreto n.º 8.243/14 - felizmente derrubado na Câmara
dos Deputados -, mediante o qual, no estilo das semiditaduras da
Venezuela, da Bolívia e do Equador, prescindiria do Congresso Nacional
para governar.
A tristeza que sentem todos os brasileiros que lutam por bons costumes
na política, na profissão, em sua vida social e familiar, por verem o
País assim desfigurado perante o mundo, não deve, todavia, inibir o povo
de lutar contra a corrupção, o que se principia por diagnosticar o mal e
combatê-lo, mesmo que isso implique o profundo desconforto de dizer que
a presidente Dilma Rousseff governou atolada na pequenez pouco saudável
de um governo ora incompetente, ora corrupto.
Como terá mais quatro anos para governar, que faça seu "mea culpa"
perante a Nação e recomece a caminhada, sabendo escolher pessoas
competentes, honestas, dignas e que estejam dispostas a fazer que seu
governo passe à História bem avaliado, depois do desastre do primeiro
mandato. Para isso deve abandonar o discurso da luta de classes,
distanciando-se dos "progressistas" da Venezuela e de Cuba, que
pretendem tornar todos os ricos, pobres. Que siga o exemplo dos
"liberais" dos Estados Unidos e da Alemanha, que querem tornar todos os
pobres, ricos.
FONTE ROTA2014
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