editorial de O Estado de São Paulo
O Congresso poderá aprovar nos próximos dias um projeto de lei para
sacramentar a irresponsabilidade fiscal ou, em linguagem mais corrente, o
uso incompetente e populista do dinheiro público. Qualquer buraco
apontado no balanço das contas públicas deste ano será considerado
aceitável, formalmente, se a maioria dos parlamentares aceitar, como
pretende o governo, a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LDO)
de 2014. Em sua proposta, o Executivo pede autorização para abater
investimentos e desonerações, sem limite, da meta de superávit primário
fixada para o ano. O relator do projeto, senador Romero Jucá, ainda
tornou o texto mais permissivo, ao trocar a expressão "meta de
superávit" por "meta de resultado", aplicável a qualquer número,
positivo ou negativo.
A Comissão Mista de Orçamento (CMO) reuniu-se ontem à noite para retomar
a análise do projeto. Avalizado o texto pela comissão, o plenário
poderá votá-lo hoje, segundo o plano de trabalho anunciado na
quarta-feira passada pelo presidente do Congresso, senador Renan
Calheiros (PMDB-AL).
Com a aprovação do projeto, o Executivo ficará dispensado de qualquer
novo truque para maquiar o balanço das contas federais e fingir o
cumprimento da meta - ou, no mínimo, para apresentar um resultado melhor
que o real. O pessoal do Tesouro tem recorrido habitualmente à
contabilidade criativa, nos últimos dois anos, para inflar o superávit
primário, o dinheiro separado para o pagamento de uma parte dos juros da
dívida pública.
A meta fixada na LDO foi um resultado primário de R$ 116 bilhões para o
governo central, com possibilidade de abatimento de R$ 67 bilhões. Isso
daria um saldo de R$ 49 bilhões.
No começo do ano o governo decidiu aproveitar apenas em parte essa
possibilidade e escolheu como objetivo um superávit primário de R$ 80,8
bilhões para o conjunto formado por Tesouro, Banco Central e
Previdência. Mas o resultado em nove meses foi um déficit primário de R$
19,47 bilhões, calculado pelo critério das necessidades de
financiamento. Não se espera, agora, nem a meta original - R$ 49
bilhões, depois dos descontos. Por isso o projeto de alteração da LDO
extingue o limite dos abatimentos.
O PT e os partidos aliados têm maioria para aprovar o projeto do
Executivo sem muita dificuldade, se os seus parlamentares estiverem
dispostos a sacramentar a irresponsabilidade fiscal. Esse resultado será
inevitável, se a base governista se comportar como na maior parte dos
últimos 12 anos.
Mas, apesar de majoritária também na CMO, a base governista foi incapaz,
em duas sessões, de aprovar o relatório do senador Romero Jucá. Nenhuma
das duas sessões foi propriamente edificante.
A de quarta-feira passada foi marcada por gritaria e baixaria. Os
parlamentares da base tentaram impor seu peso e conseguir rapidamente a
aprovação do relatório. Os oposicionistas protestaram contra a quebra do
regimento e exigiram a leitura da ata da reunião anterior. No momento
mais tenso, o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE),
arrancou um documento da mão do relator.
O relatório foi aprovado, mas no dia seguinte a oposição ameaçou
recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular a sessão. O presidente
do Congresso, senador Renan Calheiros, concordou com a anulação.
Uma segunda sessão foi instalada no mesmo dia, mas o presidente da
Comissão, deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), escorregou, no final, ao dar
o relatório como aprovado por 15 a 7. O deputado Mendonça Filho de novo
interferiu, lendo o regimento. A vitória dependeria de 18 votos, metade
mais um dos integrantes da comissão. A decisão foi adiada.
Os tropeços em relação ao regimento, na CMO, combinam bem com o tema em
debate - a autorização para o Executivo descumprir a LDO e ficar livre,
neste exercício, de qualquer compromisso em relação ao superávit
primário. Aprovado o projeto, estará criado o precedente para outras
lambanças do mesmo tipo - talvez piores. Afinal, quem, de fato se
preocupa, em Brasília, com essa incômoda responsabilidade fiscal?
fonte rota2014
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