Arminio Fraga e Marcelo Trindade- O ESTADÃO
Já não é de hoje que as estatais, especialmente as listadas em bolsa,
carecem de profunda revisão em sua governança corporativa. Veja-se o
caso da cogitada indicação do governador da Bahia, Jaques Wagner, para a
presidência da Petrobrás. O governador certamente tem tido sucesso em
sua carreira política, mas isso não o qualifica para assumir a
presidência de uma empresa, muito menos de uma empresa enorme e complexa
como a Petrobrás.
A revelação do assalto aos cofres da Petrobrás, perpetrado sob os olhos
de administrações indicadas por critérios políticos, serviu também para
dar enorme e merecido destaque ao fato de que a companhia se transformou
em palco de péssimas decisões empresariais, como a aquisição da
refinaria em Pasadena (no Texas, EUA) e o gigantesco estouro do
orçamento do projeto da refinaria de Abreu e Lima (PE). Este último
empreendimento foi levado a cabo a despeito de sua inviabilidade
econômica, demonstrada pela área técnica a cada etapa de sua execução,
mas ignorada pela alta administração da empresa e pelas lideranças
políticas do País.
Adicionalmente, a Petrobrás foi vítima do quixotesco esforço de
controlar a inflação por meio de controles de preços, uma sempre
malsucedida empreitada, que no caso em tela teve como consequência um
enorme aperto de caixa na empresa, que a transformou numa das mais
endividadas no mundo, no exato momento em que dela se exigia um grande
esforço de investimento.
Infelizmente, a Petrobrás não é a única estatal que vem sendo vítima de
abuso de seu acionista controlador, o governo federal. A Eletrobrás
submeteu-se à truculenta Medida Provisória 579, que desordenou de vez o
setor elétrico brasileiro, com enorme prejuízo para seus acionistas. E o
Banco do Brasil viu o número de cargos de direção da empresa aumentar
de 13 em 2003 para 37 em 2013!
Esse é um quadro que merece reflexão. As três empresas mencionadas aqui
são de economia mista, ou seja, controladas pelo governo, mas com
participação de acionistas privados. Além das sociedades de economia
mista, a Constituição da República permite a atuação do Estado no setor
privado por intermédio de empresas públicas, nas quais o poder público
detém a totalidade do capital - como a Caixa Econômica Federal e o
BNDES, por exemplo.
O que justifica a atuação dessas empresas no setor privado é a presença
de um interesse público, seja o de estimular a competição, seja o de
explorar uma atividade considerada fundamental, ou qualquer outro tido
como legítimo pela lei que autoriza sua criação. Mas elas não se
confundem com o poder público. Ao contrário, a Constituição é expressa
ao dizer que elas devem sujeitar-se "ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis,
comerciais, trabalhistas e tributários".
Em outras palavras: as empresas estatais podem e devem cumprir a
finalidade de interesse público que justifica a sua criação, mas isso em
nada se confunde com administrá-las sem compromisso com a eficiência e
com metas de gestão. A gastança desenfreada e a roubalheira escondem-se
atrás do discurso de que o prejuízo é justificado pelo interesse
público. Mas evidentemente não é.
Não é preciso inventar a roda para pôr fim ao descalabro que se instalou
nas sociedades de economia mista e nas empresas públicas brasileiras.
De um lado, é preciso cumprir a Constituição, e sujeitá-las aos
princípios de administração responsável, eficiente e profissional que a
própria Lei das Sociedades por Ações impõe aos administradores de
qualquer companhia: o dever de atuar como "homem ativo e probo", "para
lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do
bem público e da função social da empresa". De outro, é preciso
explicitar no orçamento os subsídios que beneficiem legitimamente a
atuação das empresas estatais. E isso não apenas em atenção aos seus
sócios e concorrentes, mas principalmente em respeito à sociedade,
evitando que a farra da má administração encontre refúgio demagógico no
discurso difuso do interesse social.
Como fazê-lo, concretamente? Foi aprovada, em junho de 1998, a Emenda
Constitucional n,º 19, que determinava às empresas públicas e sociedades
de economia mista, bem como às suas subsidiárias, que cumprissem "sua
função social"; que se submetessem à "fiscalização pelo Estado e pela
sociedade"; que procedessem à "licitação e contratação de obras,
serviços, compras e alienações, observados os princípios da
administração pública"; que "a constituição e o funcionamento dos
conselhos de administração e fiscal" se desse "com a participação de
acionistas minoritários"; e que a atuação de seus administradores fosse
sujeita a "mandatos", "avaliação de desempenho" e "responsabilidade".
Mas claramente a realidade mostrou que é preciso ir além e criar
mecanismos legais que efetivamente impeçam a exploração política das
companhias públicas. O caminho é o da obrigatória profissionalização das
administrações dessas empresas. É também o da contratação seguindo os
padrões aplicáveis às empresas privadas e o do fortalecimento dos órgãos
internos de controle, como os comitês de auditoria. É preciso, ainda,
aprimorar o acompanhamento do desempenho dos administradores de todas as
companhias públicas para além de aspectos formalísticos, sob o prisma
das metas e dos resultados alcançados.
Há de chegar o dia, no Brasil, em que a corrupção endêmica estará no
passado, lá deixada não apenas pelos votos dos eleitores inconformados,
mas também pela disseminação da cultura da moralidade pública e do
desempenho profissional dos agentes do Estado. Para que esse dia chegue
mais rápido é preciso agir logo e implantar mecanismos destinados à
repressão das aves de rapina que teimam em nos perseguir.
FONTE ROTA2014
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