por Rodrigo Constantino
Veja
De forma irresponsável, Eike foi ignorando alertas ao longo do caminho
Atuava no mercado financeiro, e acabara de sair de um almoço de um banco de investimentos que apresentou o case da
primeira emissão de ações do grupo X, de Eike Batista. Ao término,
conversando com investidores, quis saber quantos realmente acreditavam
naquilo. Poucos. Era um tiro no escuro, uma grande aventura. Não
obstante, a coisa toda viraria uma febre depois, e o empreendedor se
tornaria o homem mais rico do Brasil.
O episódio me veio à memória ao ler o excelente livro-reportagem “Tudo
ou nada” (Editora Record), em que a jornalista Malu Gaspar, de “Veja”,
disseca a verdadeira história do mais excêntrico empresário brasileiro.
Com mais de cem pessoas entrevistadas, a autora traz inúmeros relatos
que reconstroem o dia a dia frenético da ascensão e queda do que foi o
império de Eike.
Com espírito aventureiro e muita ousadia, o filho de Eliezer Batista, o
poderoso ex-presidente da Vale, já havia tido uma experiência similar
antes, no Canadá. Mas não absorveu lições importantes, ao menos não a
ponto de impor maior cautela a um inveterado otimista disposto a
“dominar o mundo”. É um típico caso em que megalomania pode ser
confundida com autoconfiança.
De forma irresponsável, Eike foi ignorando alertas ao longo do caminho, e
abraçando cada vez mais empreitadas em diversos setores diferentes.
Malu chama a história do grupo X de “a epítome de um período do
capitalismo brasileiro”. De fato, foi isso mesmo. Já fiz um paralelo,
aqui nesse espaço, entre Eike e Lula em suas respectivas áreas. Se um
virou o Midas da economia, o outro foi alçado ao patamar de gênio da
política, ignorando-se que perdeu três eleições seguidas, duas delas no
primeiro turno para Fernando Henrique.
Tanto um como o outro são carismáticos e muito ambiciosos. Mas ambos
eram apenas a pessoa certa na hora certa, surfando uma onda que fora
produzida fora do país, pelo crescimento chinês somado ao baixo custo de
capital no mundo desenvolvido. Criou-se o ambiente perfeito de “tsunami
monetário” para um país como o Brasil, com recursos naturais
abundantes. O ciclo favorável das commodities explica os “fenômenos”
Eike e Lula mais do que qualquer mérito individual de cada um deles.
Outra coisa que a autora faz com maestria é desvendar em riqueza de
detalhes aquilo que já sabíamos em termos gerais: a enorme simbiose
entre Eike e o governo. O empresário ficou obstinado em se transformar
num “empresário do PT”, ao perceber que tal parceria lhe seria
extremamente vantajosa. Com o BNDES presidido por Luciano Coutinho, que
desde a década de 1980 defendia o fomento de fortes grupos nacionais
dirigidos pelo Estado, o casamento seria inevitável.
“Mais do que um empresário símbolo do novo capitalismo que emergia no
Brasil, Eike Batista era agora alguém de confiança do BNDES — o mais
poderoso banco de fomento da América Latina. Se havia tal coisa como um
‘empresário do PT’, ele sem dúvida era um deles”, escreve. Foram bilhões
injetados no grupo X pelo banco estatal. Eike diria pouco depois que o
BNDES era “o melhor banco do mundo”.
O relacionamento promíscuo chegou ao ápice quando a própria presidente
Dilma pediu, por meio de Coutinho, que Eike não desistisse do
investimento na fábrica de semicondutores em Minas Gerais,
empreendimento com a IBM em que o empresário aceitou entrar só para
agradar ao presidente do BNDES. A autora revela que Eike sucumbiu à
pressão política:
“Não vai dar para sair da fábrica. Pelo menos não agora.”
A saga do grupo X, portanto, ilustra com perfeição as mazelas de nosso
“capitalismo de compadres”, que já existia, mas que foi expandido pelo
governo do PT. Quando a desgraça se tornou inevitável, porém, até o PT
precisou encontrar um limite para o que poderia ser feito pelo governo
para salvar o empresário. Quando Coutinho se negou a resgatar o
estaleiro OSX, Eike não pôde segurar a decepção: “Baixou a cabeça,
chorando, deu as costas e foi embora.”
Além de ótimo entretenimento, o livro de Malu Gaspar é extremamente
relevante para mostrar como o Brasil ainda precisa avançar rumo a um
modelo de economia de mercado, em que o sucesso ou o fracasso das
empresas não dependam tanto das amizades com o governo. E deixa, ainda,
um alerta sobre a ambição desmedida, que pode arruinar mesmo alguém que
parecia ter tudo.
Eike tombou feio. Hoje é acusado de crimes financeiros e pode acabar até
preso, como provavelmente seria o caso se o Brasil fosse um país em que
o império das leis realmente valesse para todos, como ocorre nos
Estados Unidos. Talvez chegue a vez de Lula tombar também.
fonte rota2014
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