por MÍRIAMI
LEITÃO E ALVARO GRIBEL O GLOBO
“O
governo funciona como nas capitanias hereditárias”, disse o executivo de uma
grande empreiteira com quem conversei longamente nos últimos dias. Em cada área
do governo que uma empresa vai, para discutir projetos, ela é enviada para
falar com um político. Num dos negócios que fez, há dois anos, o executivo teve
que conversar com Paulo Maluf. Ministros da presidente Dilma sabiam do
encontro.
Os
detalhes das abordagens são sempre espantosos. Meu interlocutor nega pagamento
de propina, mas conta que às vezes fala-se abertamente que a área “pertence” a
um partido. Há quem apenas diga indiretamente, mas há quem seja franco, como um
prefeito de uma cidade de Tocantins, que pediu “luvas” apenas para não revogar
negócio já feito na administração anterior. Concessões, mesmo depois de ganhas,
passam a ser pontos de chantagem porque a autoridade sempre pode decretar a
caducidade do contrato. Ministros do governo admitem nada poder fazer diante do
veto de uma pessoa de terceiro escalão, sob o argumento de que aquela é a
“área” de outro grupo ou líder político. É uma total inversão da ordem
hierárquica. De fato, tudo funciona como nas velhas capitanias.
Nada me
convence, no entanto, de que as empreiteiras, principalmente as maiores que têm
décadas de comprovada capacidade, atuação no exterior, não tenham o dever de
quebrar o pacto de silêncio. Por que se submetem a ouvir de pessoa do segundo
ou terceiro escalão do governo, ou de um gerente da Petrobras, que negócios
líquidos e certos só poderão ser feitos se eles pagarem?
Portanto,
elas não são vítimas. Se ficam em silêncio, pagando ou não, são cúmplices, são
parte da mesma tragédia que se abate sobre o Brasil.
A pessoa
com quem conversei sobre as entranhas dos negócios com o setor público
brasileiro, e outros executivos com quem tenho falado, não tem dúvidas em dizer
que a corrupção, evidentemente, não é coisa nova, mas a escala a que se chegou
nos governos do PT não tem precedentes. E justifica o bordão do ex-presidente
para louvar seus feitos: “Nunca antes na história deste país."
— Quando
o sub do sub se dispõe a devolver US$ 100 milhões, como é caso de Pedro
Barusco, é porque a escala do roubo é grande demais — disse o empresário.
A
explicação dele é que os governos do PT abriram ao mesmo tempo várias frentes
de obras, depois de um período de paralisia dos investimentos no governo
Fernando Henrique. Na Petrobras, por exemplo, que não fazia refinaria há 20 anos,
foram iniciadas quatro. Ele acha que isso explica a escalada da corrupção. Isso
não explica, no entanto, os vários casos de sobrepreço em cada contrato de
importação, fretamento de navio, cada operação de compra da empresa. Tudo era
pretexto para se armar a cena em que o empresário é enviado ao “operador” de um
dos partidos da base.
A
justificativa inicial é que o partido precisa de financiamento, mas, quando se
oferecem doações legais, em geral eles ouvem que não é o suficiente. Nos
últimos tempos, ficou claro para os empresários que era também para
enriquecimento pessoal.
Há
empresas que cresceram rapidamente da noite para o dia, sempre à sombra dos
seus protetores, verdadeiros fidalgos da corrupção e que têm o poder de abrir a
torneira de recursos públicos, ou garantir a vitória em licitação mesmo com
todas as evidências de que não estão tecnicamente preparadas.
O
dirigente de uma empresa fornecedora de serviços procurou um ministro influente
do governo Dilma e explicou que era possível apenas com bom gerenciamento
melhorar muito um setor no qual o Brasil tem deficiência crônica. “Parem de
gastar dinheiro”, disse o executivo, e mostrou como era possível. Em vez de
fazer novas obras, usar a eficiência no que já fora construído para elevar a
qualidade do serviço. Foi despachado do gabinete com a afirmação de que não era
isso que se procurava.
A
presidente Dilma está se comportando como se a operação Lava-Jato fosse
patrocinada por ela. A operação é sim uma oportunidade para o país, mas é seu
governo que está no meio do turbilhão. Há fios soltos demais que, se puxados,
levarão a decisões e negócios feitos nos últimos quatro anos, ou nos últimos 12
anos, no setor de energia, que sempre esteve sob seu controle.
0 comments:
Postar um comentário