por Guilherme Fiuza
O Globo
A gasolina aumentou, a energia vai aumentar muito, o teto da meta de inflação virou piso e os juros voltaram a subir
Os eleitores progressistas de Dilma Rousseff estão radiantes. Foi muito
importante a esquerda ganhar a eleição no Brasil. O candidato burguês da
elite branca jamais celebraria o Dia da Consciência Negra como o fez a
presidente mulher e oprimida. Devota de Zumbi (o que fica claro pelo
estilo do seu governo), Dilma exaltou um Brasil que “se orgulha da sua
cor”. Se você não sabia, eleitor derrotado da direita capitalista, agora
ficou sabendo: o Brasil tem uma cor. E não é a sua, seu branco azedo.
Aí você perguntaria: se o Brasil de Dilma é negro, não seria melhor ela
entregar logo a Presidência a Joaquim Barbosa e se exilar na Argentina?
Pronto, lá vem a elite branca com a sua vocação golpista. É bem verdade
que também há brancos entre os eleitores conscientes que salvaram o
Brasil, garantindo mais quatro anos ao PT. Mas é só aparência. São todos
negros por dentro. Negros como o petróleo viscoso que jorrou nas contas
bancárias do PT e aliados nos últimos dez anos.
O eleitor progressista do bem votou na candidata do povo já sabendo o
que tinha acontecido com a Petrobras. Desde o início do ano a Operação
Lava-Jato da Polícia Federal veio mostrando, como numa novela de
Aguinaldo Silva, capítulo por capítulo da privatização da maior empresa
brasileira pela maior quadrilha brasileira — instalada na diretoria da
estatal com as inconfundíveis digitais petistas. Nada disso abalou o
eleitor de esquerda, porque ele sabe que privatização perigosa é a dos
neoliberais. Se o PT e sua gangue tomam posse do que é do povo, isso é
socialismo. No máximo na próxima encarnação você recebe a sua parte.
O que talvez tenha chateado um pouco o eleitor antenado de Dilma foi um
detalhe desagradável do caso Petrobras. Só depois de passada a eleição,
ele ficou sabendo o nome da empresa offshore do ex-diretor de serviços
Renato Duque — um dos prepostos petistas no esquema, que está preso. A
empresa depositária das propinas no exterior se chama “Drenos”. Isso
magoa um progressista. Mensalão, petrolão, enfim, drenar o dinheiro do
povo por 12 anos, prorrogáveis por mais quatro, tudo bem. Mas fazer
piada interna com isso é demais. Os companheiros Valério, Delúbio e
Vaccari jamais fariam isso. Parece até coisa da elite branca.
Os desvios criados pelo PT nesses três mandatos do governo popular
sempre foram coisa séria — dinheiro sujo para financiar a revolução
limpa e gloriosa (e os charutos do Delúbio, que ninguém é de ferro).
Enfim, roubaram sem perder a ternura. O eleitor progressista e
libertário do Rio de Janeiro — que junto com Minas Gerais decidiu a
eleição em favor de Dilma — sabia de tudo isso, e explodiu de orgulho do
seu voto no PT. Só não sabia que, no meio de toda a sucção
revolucionária de dinheiro público, havia um engraçadinho batizando uma
offshore do esquema de Drenos. Como assim? Como um companheiro do bem
que ama o Nordeste, os negros e os pobres faz uma coisa dessas? Será que
ele confundiu socialismo com drenagem?
Vamos acalmar o eleitor de Dilma que livrou o Brasil da direita careta
que adora Miami: está tudo bem. Não vá entrar em crise de consciência
agora, que tudo deu certo. Quem sabe até “Drenos” seja o nome de um deus
grego que simboliza a igualdade entre os homens — uma espécie de Hugo
Chávez do Olimpo. Bem, seja qual for o significado de drenagem no novo
dicionário da revolução companheira, o que importa é que Dilma e Lula já
anunciaram que vão trabalhar duro para “resgatar a imagem” da
Petrobras. E nem será preciso trabalhar tão duro assim: com a fortuna do
petrolão, dá para comprar toneladas de batom, rímel e blush. A
Petrobras vai ficar linda.
Falando em maquiagem, a contabilidade criativa do governo popular
precisará ser aprimorada. Com toda a perícia no embelezamento dos
números, o déficit público estourou.
Os companheiros estão tentando dar o seu jeito, propondo retirar a
palavra “superávit” da norma de metas fiscais. É uma solução
interessante, altamente progressista. Se der certo, poderá ser estendida
a outras áreas — retirando, por exemplo, a palavra “corrupção” do
Código Penal. Aí a elite vermelha poderá tocar a sua drenagem
revolucionária em paz, sem a chateação dessa imprensa burguesa que odeia
o povo.
A gasolina aumentou, a energia vai aumentar muito, o teto da meta de
inflação virou piso e os juros voltaram a subir. O que pensam disso os
eleitores conscientes e solidários, magnetizados pelo carisma de Dilma
Rousseff? Eles não têm dúvida: isso certamente foi alguma maldade
neoliberal do Armínio Fraga uns 15 anos atrás. Valha-nos, ó soberano
Drenos, e livrai-nos desses conservadores desalmados, filhotes da
ditadura. Esquerda unida jamais será vencida, caminhando e cantando e
seguindo o cifrão.
Manifestações contra o petrolão são coisa da direita, alertam os
progressistas. Dilma fará a mudança. Sendo assim, que o frete não
demore, e ela não esqueça suas apostilas no palácio.
FONTE ROTA2014
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