por Demétrio Magnoli
De repente, como um raio no céu claro, o governo foi tomado por
extraordinário interesse pela corrupção –no passado. Na Austrália, Dilma
Rousseff ensaiou "listar uma quantidade imensa de escândalos no Brasil
que não foram investigados". A historiadora amadora, porém, só fingia
falar sobre o passado:
"Talvez esses escândalos que não foram investigados sejam responsáveis
pelo que aconteceu na Petrobras". Ah, sim!, trata-se, então, do
presente.
Governantes deveriam exercitar a prudência ao especular sobre corrupção
em governos anteriores. Se têm conhecimento de denúncias fundamentadas, a
lei os obriga a deflagrar uma investigação policial e judiciária. Se
não o fazem, a fim de manipular halos de suspeita em seu benefício
político, incorrem no crime de prevaricação. Os áulicos, por outro lado,
não sendo autoridades, podem especular alegremente. Nesses dias de Lava
Jato, é fácil identificá-los por seus frêmitos de indignação moral com a
corrupção pregressa.
O passado que preferem é o recente: o governo FHC. Do nada, adoradores
do estatismo começaram a honrar a memória do incauto Paulo Francis
privatista de 1996, submetido a processo intimidador depois de afirmar
que "os diretores da Petrobras" constituíam "a maior quadrilha que já
atuou no Brasil".
Mas, num tour de force, os neo-historiadores da corrupção já se
aventuram em tempos anteriores, reavivando a memória da ditadura
militar, que converteu em potências a Odebrecht, a Camargo Corrêa, a
Mendes Júnior e a Queiroz Galvão, além de servir de berço para a OAS e a
UTC. Logo, sua ira santa nos conduzirá ao estouro da bolha do
Encilhamento, sob Deodoro da Fonseca, e às aquisições de escravos
traficados ilegalmente por Paulino José de Souza, então ministro do
Exterior, no Segundo Reinado.
O foco nos "500 anos de corrupção" não se destina a recordar que a
corrupção nasceu antes de 2003, pois o óbvio dispensa explicação. A
finalidade é entorpecer-nos, normalizando o escândalo em curso. Eles
almejam dissolver a corrupção investigada na corrupção falada e o
presente singular (a colonização partidária da Petrobras) no genérico
histórico (a captura do poder público por interesses privados). Somos
assim, sempre fomos, sussurram, inoculando-nos o soro da letargia,
enquanto o ministro da Justiça critica a "politização" do escândalo (não
a da Petrobras!).
A corrupção mora na índole do povo brasileiro: "Cada um de nós tem um
dedão na lama", assegura um célebre empresário, enquanto a presidente
antecipa que pretende violar a lei sobre declaração de inidoneidade ("A
gente não vai colocar um carimbo na empresa").
Não há lei que puna a corrupção da linguagem. Nos tempos bons, o
lulopetismo anuncia-se como o Ato Inaugural: "Nunca antes na história
deste país". Nos tempos ruins, exibe-se como vítima da Tradição: "Nunca
foi diferente na história deste país". Mas a contradição sempre tem o
potencial para se superar como dialética.
Na Austrália, Dilma se esqueceu do tão recente "mensalão" para rotular o
"petrolão" como o "primeiro escândalo da nossa história que é
investigado". Os áulicos já a seguem (afinal, é para isso que existem),
saudando o Ano Zero da guerra à corrupção.
"Dilma agora lidera a todos nós", anuncia o empresário dos dedos sujos
de lama –que, casualmente, tem como maior cliente a estatal Correios. A
narrativa do Ano Zero descortina possibilidades ilimitadas. Dilma "não
sabia de nada"? Esqueça.
Nos 12 anos em que dirigiu a Petrobras diretamente (como presidente do
Conselho de Administração) ou indiretamente (como ministra e presidente
da República), os partidos da "base aliada" privatizaram a estatal,
desviando dezenas de bilhões de reais. Não é que a Líder dos Imundos
"não sabia". Sabia –mas, sábia, deixou a operação se alastrar para, no
Ano Zero, pegar todos os bandidos juntos.
Ah, bom!
fonte rota2014
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