editorial do Estadão
As contas públicas brasileiras estão hoje mais esburacadas que as da
maior parte dos países da Europa, incluídos alguns dos mais afetados
pela crise iniciada em 2008, como a Itália e a França. Levar o País a
esse estado foi uma das façanhas mais notáveis da presidente Dilma
Rousseff. Nos 12 meses até setembro, o governo central acumulou um
déficit equivalente a 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB), considerado o
total de receitas e despesas, incluído o pagamento de juros. O rombo de
todo o setor público - União, Estados, municípios e algumas estatais -
chegou a 4,92% do valor produzido internamente por todos os setores da
economia. No ano passado, a média da zona do euro foi um déficit igual a
3% do PIB. No Brasil, o número em vermelho chegou a 3,9%.
Neste ano, os países do euro devem ter um saldo deficitário de 2,9%,
segundo a última projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI),
publicada no começo de outubro. A projeção para o Brasil divulgada no
mesmo relatório, um rombo fiscal de 3,9%, só será confirmada se as
contas do País melhorarem de forma espantosa no último trimestre. De
janeiro a setembro, o déficit do governo central atingiu 4,97% do
produto. O consolidado do setor público bateu em 5,94%.
Na França, as contas públicas tiveram resultado negativo de 4,2% no ano
passado, devem piorar até 4,4% neste ano e chegar a 4,3% em 2015. O
resultado italiano deve ser parecido com o de 2013, um déficit de 3%.
No Brasil, tem sido normalmente deficitário, há muitos anos, o resultado
nominal das contas públicas - consideradas, portanto, receitas e
despesas de todos os tipos. É esse, afinal, o dado mais importante,
quando se pensa na saúde financeira de longo prazo do setor público. A
regra da União Europeia, um déficit máximo de 3%, é baseada nesse
conceito mais amplo. Na crise, esse limite foi estourado por muitos
países, mas a maioria já está enquadrada e o resultado médio está abaixo
do teto.
O governo brasileiro tem fixado para a política fiscal metas mais
frouxas, definidas em termos de resultado primário - diferença entre
receita e despesa sem levar em conta os juros e amortizações da dívida
pública. A ideia é obter uma sobra suficiente para cobrir pelo menos uma
boa parte dos juros e, assim, manter sob controle o endividamento do
governo.
A equipe da presidente Dilma Rousseff tem recorrido, há alguns anos, a
arranjos especiais para cumprir a promessa do superávit primário. Além
de descontar o valor aplicado no Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), o pessoal do Tesouro tem recorrido ao adiamento de despesas (um
processo conhecido como pedaladas fiscais) e à coleta de receitas
extraordinárias, como dividendos, bônus de concessões e cobrança
parcelada de impostos e contribuições em atraso.
Neste ano, nem esses truques funcionaram. Pelas contas do Tesouro, o
governo central acumulou em nove meses um déficit primário de R$ 15,7
bilhões. Seria necessário um superávit de R$ 96,5 bilhões em três meses
para alcançar a meta de R$ 80,8 bilhões fixada só para o governo central
- Tesouro, Banco Central (BC) e Previdência. O jeito será pedir ao
Congresso uma revisão das metas orçamentárias.
Nos cálculos do BC, levam-se em conta as necessidades de financiamento e
isso produz números um pouco diferentes. Por esse critério, o déficit
primário do governo central atingiu R$ 19,47 bilhões neste ano e R$
29,14 bilhões em 12 meses. O resultado primário de todo o setor público
foi um déficit de R$ 15,29 bilhões no ano e de R$ 31,05 bilhões em 12
meses.
O péssimo estado da economia brasileira, com nível muito baixo de
atividade, explica boa parte do desastre nas contas públicas. Além
disso, a arrecadação foi afetada também por várias desonerações
tributárias mal concebidas. O setor público perdeu arrecadação sem
conseguir, em contrapartida, fazer a economia pegar no tranco. Ao mesmo
tempo, a despesa do governo central, entre janeiro e setembro, foi 31,2%
maior que a de um ano antes, enquanto o aumento da receita líquida
ficou em 6,4%. A presidente precisará, no segundo mandato, cuidar do
estrago fiscal produzido, sem nenhum ganho econômico, nos primeiros
quatro anos.
fonterota2014
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