Murillo de Aragão O ESTADO DE SÃO PAULO
Os acontecimentos decorrentes das investigações do petrolão estão
abalando as estruturas da política nacional. É certo dizer que nada,
nada será como antes, depois do escândalo. As mudanças que deverão
ocorrer vão se relacionar sobretudo com a forma como empresas privadas,
empresas estatais e políticos se relacionam. E, também, com o modo de
financiar partidos e campanhas.
Sergio Lazzarini, em seu livro Capitalismo de Laços (Elsever), descreve
de forma clara como funciona o modelo no País. O mundo político opera
como grande agente dos interesses privados na obtenção de contratos de
obras públicas e de fornecimento para empresas estatais.
No caso da Petrobrás, a aliança ia além da obtenção de obras e
contratos. Envolvia apoio político na obtenção de financiamentos
públicos. Afinal, o crédito no Brasil sempre foi escasso e conseguir
recursos nos bancos públicos quase sempre dependeu de influência
política. Em contrapartida, o mundo privado financiava o mundo político.
De acordo com as regras e, infelizmente, fora delas. No entanto, o
petrolão pôs o modelo vigente em xeque.
A questão das operações feitas de acordo com a lei já está posta
juntamente com a discussão sobre a imposição do financiamento público de
campanhas, que não é a melhor solução para a democracia no Brasil.
Devemos avaliar com urgência o teto de despesas nas campanhas. Em sendo
exclusivo de uma fonte, o melhor é que seja feito apenas por cidadãos; o
financiamento público exclusivo afastará ainda mais o político e os
partidos da sociedade.
Porém o que o petrolão traz à tona é o desvio de recursos para políticos
e partidos por conta da obtenção de contratos na esfera pública. Ou
seja, o papel de intermediação ilícita que alguns no mundo político
fazem em favor de interesses privados, e recebendo por isso, seja para
fins de enriquecimento próprio, seja para o financiamento de esquemas
políticos. Prática mais antiga do que o guaraná de rolha!
Pois bem, mesmo que o escândalo ficasse apenas no que já se sabia antes
da prisão de executivos das empresas envolvidas e de mais um ex-diretor
da Petrobrás, o efeito no sistema político nacional já seria devastador.
Simplesmente porque muitas empresas não estarão mais dispostas a correr
o risco de financiar, por baixo dos panos, políticos e partidos, já que
o modelo não é sustentável, além de ser ilegal, imoral e injusto.
Para piorar a vida dos que abastecem os esquemas, o julgamento do
mensalão revelou ao mundo privado que o mundo político não tem condição
de proteger seus cúmplices. Alguns políticos punidos no caso já estão
cumprindo suas penas em casa. Já os "não políticos", como Marcos Valério
e Kátia Rabello, vão amargar na cadeia por muitos anos. Se tivessem
feitos acordos de delação estariam em situação muito melhor.
O escândalo do petrolão aprofundou uma tendência do mensalão: a de
buscar não apenas os operadores dos esquemas, mas também seus
financiadores e, em especial, seus beneficiários. A combinação do
exemplo do mensalão com as linhas de investigação do petrolão é crítica
para estimular a sucessão de delações que estão ocorrendo e ampliar as
consequências do escândalo a níveis inesperados.
Mas não é tudo. O petrolão tem uma dinâmica adicional, que é a
investigação internacional da Securities Exchange Commission (SEC) dos
Estados Unidos, que poderá resultar em punições para os envolvidos.
Sabemos que as autoridades americanas estão coletando informações sobre o
episódio. No limite, a Petrobrás - que é listada na Bolsa de Nova York -
poderá ser punida com multas e seus diretores e conselheiros,
processados criminalmente e até mesmo inabilitados para dirigir empresas
de capital aberto listadas em bolsa nos EUA.
Combinando as investigações atuais com as futuras investigações no
Supremo Tribunal Federal (STF) e, ainda, com as investigações
internacionais, temos o petrolão num nível de escândalo jamais visto na
História do País. Algo de proporções monumentais e com repercussões
profundas. Dizem que já chega a 70 o número de políticos que serão
julgados no STF por causa desse caso. É um número extravagante!
As consequências das investigações já estão sendo sentidas. O Congresso
está temeroso do impacto do que vem por aí. O governo está em voo cego e
com poucos instrumentos para a reforma ministerial, pois tudo depende
da lista de investigados. Na prática, o critério número 1 é não estar na
lista, que pode crescer com novas delações. Até a total divulgação dos
envolvidos, a reforma ministerial deve dar-se em espasmos.
Outras consequências poderão ser sentidas. Caso não se firme um acordo
de leniência, as obras públicas com as construtoras envolvidas podem ser
paralisadas. Seria mais ou menos o que aconteceu com a Construtora
Delta, só que em proporções maiores. Além dos efeitos na paralisação das
obras de infraestrutura, poderemos ter repercussões no emprego de
milhares de trabalhadores. Não é trivial.
Partidos poderão ter importantes lideranças políticas inviabilizadas ou
profundamente limitadas em suas carreiras. Dezenas de parlamentares
simplesmente se transformariam em fichas-sujas. Quem vai sobrar para
coordenar o espólio do petrolão? Quais as repercussões para a
governabilidade?
Considerando todos os aspectos, o episódio demanda das instituições
públicas e privadas e de nossas lideranças civis e governamentais imensa
responsabilidade e cautela. Isso não significa acobertar malfeitos, e
sim buscar o equilíbrio necessário para que a justiça seja feita de
forma republicana. Sociedade e políticos terão de fazer uma ampla
reflexão sobre como financiar a política e sobre como impedir que
escândalos como o do petrolão se repitam.
*Murillo
de Aragão é advogado, mestre em Ciência Política, doutor em Sociologia
pela UNB e autor do livro 'Reforma Política - o Debate Inadiável'
FONTE ROTA2014
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