EDITORIAL DO GLOBO
Diplomacia ‘partidária’ faz Brasil se afastar dos Estados Unidos e defender posições
oblíquas para ficar ao lado de ‘companheiros’
A declaração da presidente Dilma Rousseff de que o Brasil não tem
posição e, portanto, não tomará partido na crise da Ucrânia é um bom
exemplo dos caminhos tortuosos da política externa brasileira nos
últimos 12 anos. Trata-se da invasão de um país soberano por outro muito
mais forte (a Rússia), o que deveria gerar forte condenação por parte
do governo brasileiro. Mas a Rússia integra o Brics, como o Brasil, e o
“companheirismo” fala mais alto do que o tradicional respeito à
soberania.
Desde o primeiro governo Lula, uma mistura de ativismo com ideologia foi
usada como combustível para aumentar o protagonismo do Brasil na
política internacional. Muitas vezes, isso deixou em segundo plano os
interesses nacionais. Logo que Lula assumiu, o presidente Evo Morales,
da Bolívia, nacionalizou o setor de hidrocarbonetos, incluindo no pacote
uma refinaria da Petrobras. A letárgica reação brasileira deu o tom do
que aconteceria nos anos seguintes: prioridade a países por afinidade
ideológica — além da Bolívia, Venezuela, Equador, Argentina e Cuba, em
detrimento de outros.
O Mercosul mantinha-se, como se mantém, como eixo da política externa e
comercial do país na América Latina, sob a ótica de evitar que a região
se submeta a interesses dos EUA — pilar ideológico do PT que impregnou a
diplomacia brasileira. Em nome disso, Brasília não reagiu à adoção,
principalmente pela Argentina, de medidas restritivas a produtos
brasileiros, observando a política de “paciência estratégica” frente a
Buenos Aires. O companheirismo ideológico respondeu também pelo apoio à
inclusão da Venezuela, antidemocrática, no Mercosul na esteira da
inexplicável exclusão do Paraguai.
Entende-se a fidelidade ao Mercosul, mas não a recusa em flexibilizar a
relação com um organismo que já não atende às finalidades originais de
integração comercial do Cone Sul. Por conta disso, o Brasil se manteve à
margem da intensa movimentação mundial para assinatura de acordos
comerciais bilaterais, a exemplo do que fizeram vizinhos como o Chile,
em relação aos EUA. Dessa forma, o país perdeu espaço no comércio
internacional.
A ideologização da política externa fez o Itamaraty priorizar as
relações Sul-Sul, com países em desenvolvimento e nova parcerias com os
emergentes, deixando em segundo plano as nações desenvolvidas,
especialmente os EUA. Por outro lado, prosseguiu o perdão de dívidas de
regimes autoritários da África, em detrimento de valores de democracia e
direitos humanos que deveriam prevalecer.
Houve fatos positivos, como a inclusão do Brasil no G-20 e, com empenho
do país, a institucionalização do Brics como uma nova força no cenário
internacional. Contudo, a imprevisibilidade de nossa política externa
nos últimos anos enfraqueceu o tradicional peso e a voz brasileira de
moderação na América Latina e no mundo.
FONTE ROTA2014
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