por José Nêumanne
Acredite quem quiser: a presidente reeleita, Dilma Rousseff, tentou, na
reunião do G-20 na Austrália, da forma canhestra que lhe é habitual,
tirar proveito da notícia da prisão de empreiteiros na sétima etapa da
Operação Lava Jato. Como se esta fosse uma obra de sua administração, a
exemplo do PAC, do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida. Em sua
peculiar versão sobre os fatos da atualidade, teve o desplante de
exaltar como mérito do próprio governo o fato de agora se investigar a
corrupção "pela primeira vez na História do Brasil".
Como diria Jack, o Estripador, vamos por partes. Primeiramente, a
roubalheira na Petrobrás é, sim, e disso ninguém tem mais como
discordar, o maior escândalo de corrupção da História do Estado
brasileiro, desde que o português Tomé de Souza desembarcou na Bahia
para ser nosso primeiro governador-geral. Nada se lhe compara em
grandeza de valores, vileza de ações e resultados funestos para uma
empresa criada para tornar concreto o lema da esquerda nos anos 50 do
século passado - "o petróleo é nosso". O petróleo, descobriu-se agora,
não é nosso, é deles: do PT, dos partidos da base, de desavergonhados
funcionários de carreira da petroleira e de doleiros delinquentes.
Ainda não apareceram indícios na investigação de que Dilma e seu
antecessor na Presidência, Lula da Silva, tivessem tirado algum proveito
financeiro do butim. Mas não há mais dúvidas de que ambos estavam a par
de tudo. Sabe-se disso não apenas por ter o doleiro Alberto Youssef, um
meliante de terceira categoria do Norte do Paraná, contado em delação
premiada a agentes federais e promotores. Há provas documentais e
históricas, como acaba de revelar o Estado: em 2009, o Tribunal de
Contas da União (TCU), no exercício de sua assessoria ao Legislativo,
avisou o Congresso que não permitisse o repasse de R$ 13,1 bilhões à
Petrobrás porque seus fiscais haviam auditado irregularidades em obras
da estatal. O Congresso proibiu, Lula vetou a decisão e mandou dar
dinheiro às obras suspeitas.
Mas o então presidente não se limitou a vetar os dispositivos
orçamentários e liberar as verbas glosadas pelo TCU: também abusou da
jactância de hábito ao fazer troça da mania que o órgão teria de "querer
mandar em tudo". Se José Sérgio Gabrielli, então presidente da maior
empresa brasileira e seu homem de confiança, não lhe contou, o TCU, no
mínimo, avisou. Não se pode dizer que Gabrielli seja confiável aos olhos
de Dilma, mas, além de ter sido ministra das Minas e Energia, ou seja,
responsável pela atuação da estatal e presidente de seu Conselho de
Administração, ela, como chefe da Casa Civil, não podia desconhecer o
alerta do TCU nem o desafio em forma de veto do chefão e padrinho.
É fato que a oposição não se pode jactar de ter sido a responsável pela
revelação do escândalo do petrolão nem dos casos que o antecederam: o
mensalão e a execução do prefeito de Santo André e então coordenador de
programa de governo da campanha de Lula à Presidência em 2002, Celso
Daniel. A descoberta de documento de um "empréstimo" de R$ 6 milhões do
operador do mensalão, Marcos Valério Fernandes, a um dos protagonistas
do escândalo de Santo André, Ronan Maria Pinto, pela Polícia Federal
(PF) nos papéis apreendidos em mãos de Meire Poza, contadora de Youssef,
desvendou a conexão entre os três casos. Valério disse há dois anos que
deu essa quantia ao empresário de ônibus para sustar chantagem dele
contra Lula. O papel é uma evidência de que o mensalão não serviu apenas
para comprar apoio de pequenos partidos no Congresso ao governo, mas
também para afastar suspeitas de envolvimento da cúpula da gestão
federal e do PT não na execução de Celso Daniel, mas no acobertamento
dos verdadeiros assassinos, protegidos pela versão da polícia paulista,
sob égide tucana (sem aval do Ministério Público), de que o crime teria
sido ocasional.
Nestes 13 anos, nos governos Alckmin, Lembo, Serra e Goldman, a oposição
não se aproveitou do fato de comandar a polícia estadual paulista para
produzir sequer uma investigação decente que convencesse a família de
que a morte de Daniel teria sido casual. Como é de conhecimento geral,
tucanos e democratas também nada tiveram que ver com a delação do
petebista Roberto Jefferson sobre o mensalão, escândalo do qual foi
protagonista José Janene, um dos autores intelectuais da roubalheira na
Petrobrás, que teria resultado na lavagem de R$ 10 bilhões.
A Operação Lava Jato é um trabalho que a Nação não deve a nenhum "sinal
verde" de Dilma ou de Lula nem à denúncia de tucano algum. Mas, sim, às
divisões internas da Polícia Federal, ao poder autônomo do Ministério
Público Federal, à competência técnica e ao tirocínio corajoso e probo
do juiz federal paranaense Sérgio Moro. O sucesso das investigações
também se deve à delação premiada, à qual o "Paulinho" de Lula e "Beto"
Youssef recorreram para não padecerem o que hoje padece Marcos Valério
por ter achado que seus poderosos parceiros não o abandonariam. Não
houve ordem "republicana" para investigar, processar e prender todos os
culpados, "doa a quem doer". Nem denúncias de uma oposição indolente e
nada vigilante.
Dilma também anunciou em Brisbane que a Lava Jato pôs fim à impunidade.
Bem, aí depende! A impunidade no Brasil já teve um grande baque com as
condenações do mensalão. Graças ao relatório de implacável lógica de
Joaquim Barbosa, políticos tiveram a inédita sensação de eleitores serem
iguais a eleitos perante a lei. As diferenças na execução penal,
contudo, mostram que essa igualdade continua relativa: a banqueira, os
advogados e o publicitário continuam na cadeia e os insignes
companheiros que tinham mandato ou ministério estão "presos" em casa.
A prisão dos empreiteiros mostra que a delação premiada é mesmo pra
valer. Mas os políticos eventualmente delatados ainda continuam soltos.
*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor
FONTE ROTA2014
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