Denis Lerrer Rosenfield O ESTADO DE SÃO PAULO
O País vive uma grave crise e, no entanto, as agremiações políticas vêm
se comportando como se só os seus interesses propriamente partidários
estivessem em jogo. As questões nacionais passam a segundo plano,
servindo apenas de pretexto para os jogos cada vez mais brutos de poder.
Governistas atuam como se oposição fossem, enquanto a oposição age como
o PT de antanho, renegando até mesmo as suas próprias ideias. É como se
o País tivesse de testar o abismo para logo recuar. Destaca-se nesse
cenário o PMDB, que, mal ou bem, está contribuindo decisivamente para a
aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, absolutamente
necessário como etapa preliminar do saneamento das contas públicas.
O PT, a partir dos dois últimos anos do governo Lula e nos quatro do
governo Dilma, levou o Brasil a uma situação econômica e ética
insustentável. A tal “nova matriz econômica”, eivada de posições
estatizantes e esquerdizantes, conduziu ao descontrole da inflação, ao
produto interno bruto (PIB) negativo, às contas fiscais em desajuste
extremo e, agora, ao desemprego. Nesse meio tempo, foi se apoderando
cada vez mais da máquina estatal, pondo-a a serviço dos seus interesses
partidários e eleitorais, como se só isso valesse. O País, enquanto bem
maior, bem coletivo, não entrou nesse cálculo, sendo tão somente um meio
de consecução dos objetivos exclusivamente partidários.
A conta dessa irresponsabilidade finalmente chegou e o partido, assim
como seu governo, tem imensa dificuldade de reconhecer os seus próprios
erros. Continua apostando no marketing e em discursos de esquerda cada
vez mais radicais, como se aí se encontrasse a saída.
A esquizofrenia partidária, nesse contexto, só tende a aumentar. Sua
expressão mais manifesta consiste na oposição que o PT faz a seu próprio
governo, tendo chegado, inicialmente, a rejeitar demagogicamente as
medidas do ajuste fiscal, condição mesma para que o País saia do atual
atoleiro. Comporta-se como se o governo não fosse petista, como se essas
medidas fossem coisa apenas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um
“neoliberal”. Note-se que “neoliberal” significa, na atual conjuntura, a
qualificação de uma política que tem como objetivo pôr as contas
públicas em dia. Ser neoliberal significa tão somente ser responsável. A
esquerda perdeu o discurso.
O PSDB, que deveria ser o partido líder da oposição, não faz melhor
figura. Adotou a atitude do PT de antanho, vindo a criticar as medidas
de ajuste fiscal como se fossem prejudiciais ao País. Ora, essas medidas
seriam muito parecidas com as que Aécio Neves implementaria se tivesse
sido eleito presidente da República em 2014. É bem verdade que estas
seriam mais abrangentes e teriam também um forte componente de
crescimento econômico. Em qualquer caso, um ajuste teria de ser feito.
Nesse sentido, os tucanos são contraditórios consigo mesmos, acabando
por renegar o que defendiam na disputa eleitoral. Exercem uma oposição
irresponsável, apostando também no fracasso. Acontece que o fracasso das
atuais medidas econômicas, mais do que uma disputa partidária, seria
extremamente daninho para o País. É como se os partidos brasileiros não
tivessem a menor noção do significado de “oposição responsável”, voltada
para o bem coletivo. Cada um olha apenas o seu próprio umbigo!
O PMDB, apesar de seus conflitos internos e da voracidade fisiológica de
boa parte dos seus membros, está se saindo melhor. Graças às novas
funções de articulação política assumidas pelo vice-presidente da
República, Michel Temer, o partido está se colocando como aquele que
melhor expressa os interesses nacionais. Sua atitude de defesa do ajuste
fiscal, coerente com uma posição governista e reconhecendo
implicitamente os erros que foram cometidos, sinaliza uma postura
voltada para o bem coletivo, embora possa, evidentemente, usufruir os
dividendos políticos em caso de êxito.
O vice-presidente tem clara consciência de que a não aprovação dessas
medidas poderia vir a criar um quadro econômico e político extremamente
maléfico para o Brasil. Reconhece os limites do jogo político, reconhece
o que a Nação pode ou não suportar. E um downgrade das agências
internacionais de avaliação de risco poderia ser insuportável!
O enquadramento do PT é um fato também novo nestes 12 anos de governos
petistas. O partido sempre se comportou como se o governo fosse
exclusivamente dele, deixando os partidos aliados em posição claramente
subalterna. Agora, tentou fugir de suas responsabilidades e foi
enquadrado. Procurou mesmo votar contra o ajuste fiscal, como se não
fosse coisa de seu governo, jogando, como se diz, para a plateia. Foi
obrigado a fechar questão pelo vice-presidente e pelo PMDB, que teriam
ameaçado não levar as medidas provisórias do ajuste fiscal a votação.
Forçado a recuar, o PT terminou aprovando tudo o que professa não
concordar. A desorientação é total. Na hora decisiva, teve medo das
consequências de sua irresponsabilidade. Foi impelido a ser governo,
apesar de si mesmo.
Acontece que o Brasil não pode ficar à mercê das vicissitudes dessas
distintas posições partidárias. Se esta primeira etapa de aprovação do
ajuste fiscal não for levada a cabo, e mais, se ela não for seguida de
iniciativas de crescimento responsável, o nosso país é que será o maior
prejudicado, o que significa dizer que o ônus recairá sobre o conjunto
dos cidadãos.
O Brasil não pode ficar refém das disputas partidárias, como se estas
fossem um mero jogo de substituição de posições. O governo age como se
não tivesse sido oposição e a oposição atua como se já não tivesse sido
governo. É como se contassem somente os interesses particulares de cada
um. É como se nos pleitos eleitorais o bem coletivo e as propostas que
poderiam a ele conduzir fossem um mero pretexto. Falta a escritura de um
texto, de uma verdadeira narrativa, chamada Brasil.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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