editorial do Estadão
Na falta de melhores argumentos, o PT continua se defendendo das
acusações de estar enterrado até o pescoço na corrupção alegando que seu
maior adversário, o PSDB, cometeu "inúmeros malfeitos e ilicitudes"
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. É possível que isso seja
verdade, embora em escala certamente bem menor do que se viu depois de
2003. E ainda resta provar. Mas a culpa do PT está provada pelo
julgamento do mensalão, que, como agora se sabe, foi só o começo. O
escândalo da Petrobrás está aí para demonstrar que Lula fala a verdade
pelo menos quando proclama que veio para fazer as coisas como nunca
antes na história deste país.
A corrupção, nunca é demais repetir, não é uma invenção do PT, mas o
produto da mentalidade patrimonialista que domina o País desde os tempos
coloniais. E foi também para combatê-la ferozmente e sem tréguas, como
parte de um espetacular programa de redenção nacional, que Lula &
Cia. se dedicaram por mais de 20 anos ao ataque feroz "contra tudo o que
está aí". O final da história todo mundo conhece: o PT cansou de dar
murro em ponta de faca e optou por aliar-se ao inimigo. E não fez
cerimônia no aperfeiçoamento dos métodos políticos que antes condenava
com tanta contundência.
Soa no mínimo ridículo, portanto, a direção nacional do PT reagir agora
ao recente programa do PSDB na televisão com a ameaça de ir à Justiça
para exigir que os tucanos sejam punidos por promoverem contra eles - o
PT, seus membros, seu governo - uma "campanha suja, odiosa e
reacionária". Qualificativos perfeitamente adequados a uma outra
campanha, aquela que o PT colocou no horário dito gratuito da televisão
durante a campanha presidencial, acusando a oposição de ambicionar o
poder para tirar a comida do prato dos pobres e prometendo - na voz da
própria Dilma Rousseff - que jamais tocaria nas conquistas dos
assalariados.
Hoje, menos de seis meses depois, o PT que triunfou nas urnas de outubro
está mergulhado nas suas próprias contradições, assistindo impotente à
demolição de sua hegemonia política pela ação de seus próprios aliados e
contemplando a perspectiva de, se chegar até lá, ser apeado do poder em
2018 pela vontade das urnas até agora manipulada por seu populismo sem
escrúpulos.
Nesse cenário que anuncia o ocaso de um projeto de poder que se esgota
por ter-se transformado em um fim em si mesmo, a triste figura do antes
todo-poderoso Luiz Inácio Lula da Silva ainda se esforça para se manter
em evidência. Confinado a ambientes fechados em que se mantém protegido
de manifestações hostis, Lula tenta preservar a pose, apelando, entre
outros truques nos quais se tornou especialista, ao imodesto recurso de
referir-se a si mesmo na terceira pessoa, como se se tratasse de um ente
superior, acima da mediocridade dos mortais.
Durante um seminário promovido em São Paulo há dias pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), Lula
classificou de "bobagens" as declarações de FHC sobre corrupção, depois
de sugerir, com a habitual ironia, que os tucanos o atacam agora com
medo de enfrentá-lo nas urnas: "Eu estou assustado. Gente do céu! Agora
eles já não querem mais atacar a Dilma. Agora eles já estão pensando é
que têm que balear o Lula, pensando que o Lula vai voltar em 2018. Eu
nem sei se vou estar vivo!". A quem Lula pensa que engana?
Se Dilma Rousseff está politicamente enfraquecida a ponto de ter-se
tornado refém das lideranças peemedebistas que comandam o Congresso
Nacional, Lula se revela igualmente impotente para impedir que seu
partido continue se debatendo no potencialmente catastrófico dilema
existencial entre ser governo ou oposição. E isso é péssimo para o País,
porque quando não se sabe quem é quem na cena política a porta está
aberta para os aproveitadores mal-intencionados.
Lula continua pescando em águas turvas, falando mal de Dilma pelas
costas e tentando salvar as aparências em público, o que revela que está
tão perdido quanto sua pupila, esta cada vez mais refratária aos
desígnios de seu criador. Mas num ponto ele está certo: politicamente,
hoje a oposição precisa prestar mais atenção nele do que numa chefe de
governo cuja credibilidade diminui a cada dia que passa.
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