por José Nêumanne O ESTADO DE SÃO PAULO
Ricardo Pessoa, ex-engenheiro da OAS e empreiteiro da UTC, foi escalado
na seleção dos “campeões mundiais” ungidos com as bênçãos do padim Lula
de Caetés. Egresso de uma carreira anônima de executivo da construtora
baiana, cujo dono era genro de um figurão da República nos anos JK, na
ditadura militar, na Nova República e no mandarinato tucano, Antônio
Carlos Magalhães, o ACM – dependendo das circunstâncias, Toninho
Malvadeza ou Ternura –, subiu na vida como um foguete. E caiu ao fundo
do pré-sal acusado de chefiar um cartel que demoliu o patrimônio e a
credibilidade da joia da coroa estatizada brasileira, no qual dava
cartas para os ex-patrões da OAS e outros figurões carimbados da
construção civil nacional: Camargo Corrêa e Odebrecht, entre eles.
Subida ao céu e descida aos infernos sob a égide do padroeiro.
Os irmãos Joesley e Wesley Batista, filhos de José Batista Sobrinho, o
Zé Mineiro, que em 1953 abriu a Casa de Carnes Mineira, um pequeno
açougue em Anápolis (GO), adotaram as iniciais do nome do pai, JBS, para
denominar um grupo que, no século 21, passou a ser o maior processador
de proteína animal do mundo, com 152 mil empregados. Para recorrer a uma
metáfora futebolística, tão ao gosto do padim, é como se a Anapolina,
cuja torcida chama de xata (com x mesmo), decolasse da Série D do
Campeonato Brasileiro de Futebol para ganhar o título mundial contra
Barcelona ou Juventus de Turim, não importa.
Há, contudo, uma diferença capital entre os Batistas e Pessoa: enquanto
este usa uma tornozeleira para não sair de casa, os goianos comemoram,
ano após ano, lucros fabulosos. O máximo de incômodo pode ter sido a
decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de exigir que o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) abra o sigilo, que
tem mantido teimosamente, sobre as vultosas quantias a que a instituição
pública se tem associado em suas conquistas no Brasil e alhures. O
estouro da boiada, de Consuelo Dieguez, na Piauí, conta como.
Se o TCU não encontrar nada de errado nas relações entre empresa
particular e banco estatal, a não ser generosidade de compadre, a esta
altura do campeonato restará a constatação de que os filhos de Zé
Mineiro serão privilegiados também pelo fato de o ouro do esperto
alquimista de Caetés não ter virado cinzas. Mas o clã mineiro em Goiás
nunca será acusado de esbanjar, pois tem multiplicado cada centavo da
“viúva” injetado. Ao contrário de Eike Batista, filho de Eliezer, o
badalado gestor da Vale estatal que operou o “milagre” da transformação
de metal precioso em porcaria, reduzindo a pó todos os papagaios de
notas de dólar que empinou e tornando uma herança de mandarim um
festival de falências.
Já houve quem dissesse que o melhor negócio do mundo é um poço de
petróleo bem administrado e o segundo melhor, um poço de petróleo mal
administrado. Eike desafiou essa lei do mercado, mas não passou de um
golden boy num ringue de pesos pesados. Se é verdadeiro o grave conteúdo
das delações premiadas coletadas pela Polícia Federal (PF) e pelo
Ministério Público Federal (MPF) do Paraná e que têm merecido atenção e
aprovação do juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, a ex-maior empresa
brasileira, a estatal Petrobrás, despencou do alto de desempenho e
reputação invejáveis no mundo para o fundo dos próprios poços na
profundeza dos mares, em caixa, patrimônio e credibilidade.
Um dos presos na investigação, antes condenado no escândalo do mensalão,
o ex-deputado Pedro Corrêa disse à CPI da Petrobrás que o ex-presidente
Luiz Inácio só não foi preso porque ninguém teve coragem de fazê-lo. No
depoimento, ele delatou: “Lula achava que o Paulo deveria ser diretor
de Abastecimento”. O delator recorreu ao testemunho de um morto, José
Janene, mas não faltam vivos que se lembrem do carinho com que Lula
tratava seu afilhado de “Paulinho”.
Essa talvez seja a única explicação razoável para o desabafo que o dono
do dedo que ungiu os “campeões mundiais” andou fazendo em Brasília na
semana passada. De acordo com relato dos colegas Andreza Matais e
Ricardo Brito, da sucursal de Brasília, publicado neste jornal no
sábado, o ex “admitiu” que “não atravessa uma boa fase”. Duvida quem,
como o autor destas linhas, frequentou sua casa na vila operária do
Jardim Assunção e sabe que hoje o padim mora em apartamento de luxo na
mesma cidade de São Bernardo. E tem garantido conforto para veraneios no
Guarujá em apartamento tríplex que, segundo seus acusadores, foi
concluído pela OAS para a Bancoop, que não tem um histórico muito
católico de entregar vivendas que vendeu. Será exagero concluir que ele
cospe na própria sorte? Talvez.
Mas uma parábola futebolística é muito adequada se se juntar o que se
publica nas páginas de política, polícia e esportes hoje em dia. O
Corinthians não sabe, nem tem, como pagar dívida de R$ 1,15 bilhão pelo
estádio ainda sem nome que o BNDES ajudou a Odebrecht a construir para o
time do coração de Lula. E este e vários dos ungidos por ele enfrentam
dificuldades mais amargas do que a eliminação do ex-campeão mundial da
Libertadores.
O MPF leva adiante investigação sobre o poder de indicar executivos
heterodoxos para gerir dinheiro público de uma amiga íntima de Lula,
Rosemary Noronha, que, nomeada por ele, chefiou o escritório da
Presidência da República em São Paulo. Em Portugal, o ex-premier José
Sócrates, preso, responde por suspeita de protagonizar o escândalo dos
sanguessugas. No processo, o colega brasileiro é citado, e não pelo
feito de ser autor do prefácio de seu livro sobre tortura.
Relatam os repórteres que o preocupa mais a eventual delação premiada de
Pessoa, cuja empresa tinha há sete meses R$ 10 bilhões em contratos
ativos com a Petrobrás. Se este contar por que chefiava os maiores
tocadores de obras de Pindorama, aí, quem sabe, a vaca tussa e a porca
torça o rabo.
*José Neumanne é jornalista, poeta e escritor
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