editorial do Estadão
“Essa proposta de ajuste fiscal não combina com os novos desafios.
Combina apenas com o passado. Portanto, quem quer dizer ‘sim’ ao
desenvolvimento com justiça social tem que dizer ‘não’ ao arrocho
fiscal, nos termos propostos pelo governo.” Essa magnífica peça de
retórica populista é um trecho do manifesto que um grupo de petistas “de
esquerda”, com o endosso de 11 parlamentares da base governista,
inclusive do PT, lançou contra as propostas de ajuste fiscal do governo.
Um texto que tempos atrás, como na recente campanha eleitoral, Dilma
Rousseff teria subscrito sem pestanejar. Hoje a presidente da República
deve estar remoendo a ideia de que não há nada pior do que sofrer com o
próprio veneno.
Durante todo o seu primeiro mandato a presidente Dilma Rousseff
esbaldou-se no populismo disfarçado de política social, promovendo uma
gastança desenfreada à custa de expedientes como as “pedaladas” que, na
interpretação do Tribunal de Contas da União, atropelaram a Lei de
Responsabilidade Fiscal. Durante a campanha eleitoral mentiu
deslavadamente, acusando a oposição de ameaçar as conquistas sociais com
as mesmas medidas que, reeleita, propõe agora para corrigir a
irresponsabilidade com a qual governou por quatro anos.
Ajuste fiscal é, por definição, remédio amargo. Ao propor as medidas em
discussão no Congresso, Dilma Rousseff admite implicitamente que sua
gestão desajustou as contas do governo e, consequentemente, comprometeu a
base para qualquer programa de “desenvolvimento com justiça social”.
Perseverar na demagogia populista significa persistir irresponsavelmente
no erro. Urge, neste momento, corrigi-lo. O que, reconhece o próprio
governo, só é possível mediante a aplicação da redução de despesas de
custeio e investimento, o que afetará toda a sociedade, da qual os
assalariados são parte importante.
O impasse que as resistências ao pacote fiscal estão criando no
Congresso poderá resultar na necessidade de o governo aplicar uma dose
cavalar de aumento de impostos para compensar a impossibilidade de
equilibrar as contas com uma combinação de medidas de redução de
despesas com o aumento mais moderado da receita. Ainda que não seja o
ideal, o ajuste proposto é melhor para o País do que o governo não fazer
nada, o que teria consequências desastrosas para a economia brasileira,
a começar pela redução da classificação da dívida soberana e a
consequente retração do crédito e dos investimentos estrangeiros.
É claro que o governo poderia equilibrar suas contas promovendo também
um amplo enxugamento da obesa máquina estatal. Mas o ajuste é urgente e
essa não é uma providência para o curto prazo.
As resistências às propostas do Planalto são de natureza variada. Há os
que alegam razões humanitárias, como os signatários do manifesto petista
acima citado, baseado na concepção esquerdista do Estado provedor. Não
faltam os oportunistas bem postados na hierarquia do Congresso Nacional e
ávidos por tirar vantagens pessoais da barganha fisiológica com o poder
central. E existe ainda a oposição formal, cujo maior partido é o PSDB.
Em comum todos esses grupos têm apenas o fato de recusarem as propostas
oficiais de reajuste fiscal e não se darem ao trabalho de explicar como
é possível conciliar a falta de recursos com o pleno atendimento de
todas as reivindicações de benefícios sociais.
Em particular, o comportamento dos tucanos, em relação às propostas de
ajuste fiscal, não tem correspondido ao posicionamento responsável e
exemplar que se pode esperar do maior partido da oposição, cujo
desempenho eleitoral o credencia como alternativa natural ao PT no
poder.
É certo que cabe à oposição manter o governo sob permanente pressão
política – e sob esse aspecto o PSDB parece ter despertado da letargia, a
julgar pelo programa de TV veiculado na terça-feira passada no horário
eleitoral dito gratuito. Não faz sentido, porém, o PSDB opor-se
indiscriminadamente a medidas que ele próprio proporia se estivesse do
poder. Basta explicar aos brasileiros, quando vota com o governo, que o
faz por imposição dos interesses nacionais, não em benefício dos donos
do poder. Assim agindo, faria oposição responsável.
extraídaderota2014blogspot
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