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22:01
ANDRADEJRJOR
CARLOS ALBERTO SARDENBERG O GLOBO
Não há só crise
política no Brasil, mas o fim de um ciclo, o desmoronar de um modelo que
levou ao limite fisiologismo e corrupção
Não é verdade que
sempre foi assim, essa roubalheira. Nem que a política brasileira sempre
foi essa disputa por interesses pessoais, no máximo partidários.
É
clássica a questão sobre a ética na política: é possível ser eficiente e
manter os princípios morais? Ou, considerando os ideais políticos: é
possível governar sem fazer concessões?
“Nunca abandonamos nossos
princípios; nunca mudamos nosso programa; nunca aceitamos alianças
espúrias... E nunca governamos”. É mais ou menos o que dizia um
quadrinho do argentino Quino — cito de memória — mostrando um ancião
discursando para meia dúzia de correligionários numa sala empoeirada.
Humor
sempre exagera mas é para, digamos, exagerar uma realidade. Muitas
vezes a gente tende a acreditar que a alternativa é essa mesmo: ou o
político se mantém fiel ao programa e à ética, e será sempre a honesta
oposição, ou faz todo tipo de concessão para alcançar e exercer poder.
Quantas vezes já se disse por aqui que não é possível governar o Brasil sem comprar uns votos?
Mas
reparem: ninguém diz isso antes de ser apanhado. Pelo contrário: todos
são defensores da ética e da república até o momento em que são
flagrados passando o dinheiro.
Ou seja, é uma desculpa de
corruptos. E se fosse verdadeira, todos os políticos que viessem a
alcançar o poder seriam necessariamente uns bandidos ainda não
apanhados. Quase se poderia dizer: um político ladrão é um político
normal que foi pego. Que boa parte da população pense assim, é um sinal
dos tempos atuais.
Não há apenas uma crise política no Brasil,
mas o fim de um ciclo, o desmoronar de um modelo que levou ao limite o
fisiologismo e a corrupção. Fisiologismo — essa é uma palavra velha.
Pode ser substituída por clientelismo, e se opõe a idealismo.
O
político fisiológico não tem jeito: é aquele que busca o poder, por
qualquer meio e aliança, para nomear os correligionários e gastar o
dinheiro público com sua clientela. E pronto.
Já o idealista se
guia por princípios e programas, mas pode ter alguma flexibilidade. Ou
como se diz por aqui: é preciso ter jogo de cintura.
Para citar
um político do passado, um dos grandes, Franco Montoro, governador
paulista. Lá pelas tantas, em sua campanha de 1982, houve uma enxurrada
de adesões: estava na cara que ele ia ganhar as eleições de lavada.
Muita gente desembarcava de regime militar ou de suas proximidades para
aderir ao novo poder.
Nisso, veio um grupo de sindicalistas, logo
contestados pela velha guarda de Montoro. “Esses caras são uns
pelegos”, reclamavam. E Montoro: bom, se a gente dividir o mundo entre
pelegos e não pelegos, eles caem no lado dos pelegos; mas nunca é bem
assim.
Os caras entraram e ficaram por ali, pelos cantos do governo.
Ou
a recomendação que fazia Tancredo Neves quando, por conveniência
política, precisava nomear alguém não propriamente conhecido pela
honestidade: “Arranjem para ele um lugar bem longe do dinheiro”.
Claro que há um limite. Excesso de flexibilidade acaba amolecendo as ideias básicas. Mas dá para fazer.
O
que aconteceu nos governos do PT foi diferente. O partido tinha
programa, seus militantes tinham princípios. Foi largando tudo pelo
caminho.
Na primeira eleição de Lula, começou pela campanha,
quando o partido passou a buscar as generosas doações de empresas e
empresários para pagar os marqueteiros, já mais importantes que os
ideólogos. Depois foi o programa. Prometia substituir o neoliberalismo
por algo tipo socializante (ainda não se falava em bolivarianismo) mas,
no governo, aplicou política econômica tão ortodoxa que quase ganhou uma
estátua no FMI. E para se manter no poder, topou as alianças com todo
tipo de fisiologismo. Ao final, como mostraram os processos do mensalão e
da Lava-Jato, se chegou à compra de apoio com dinheiro de propina.
Um
partido queria ocupar o aparelho do Estado para fazer uma determinada
política. Outros queriam o governo para atender à clientela. O método
resultou ser o mesmo: nomear os companheiros e usar o dinheiro público
para fins partidários, de grupos e pessoais. E o método, como sempre
acontece nessa história, se sobrepôs a tudo, princípios e programas.
Se
no começo se almejava ganhar a eleição para ocupar o governo e aplicar
programa, agora se trata de usar o governo (e o dinheiro público) para
se manter no poder. Antes era o dinheiro para a causa. Agora é a causa
do dinheiro e não apenas para o partido, mas para o bolso dos chefões.
Todo
o núcleo de poder, incluindo do poder no Congresso, está envolvido na
Lava-jato. A corrupção atingiu níveis tão altos que a gente nem estranha
quando delatores prometem devolver dezenas de milhões de reais. A
disputa política é pela sobrevivência, pelos cargos, pelo dinheiro.
Qual é? Sempre foi assim — ainda nos dizem.
Mas não, não é normal e não vai acabar sem uma ruptura.
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