por Eliane Cantanhêde O ESTADO DE SÃO PAULO
Três acontecimentos muito estranhos, todos na sexta-feira, mexem com os
nervos do governo, com a imaginação da oposição e com a curiosidade
geral. O clima é tenso, há interrogações demais e respostas de menos em
Brasília. A crise econômica, política e a ética estão, aparentemente,
descambando para uma crise dentro do próprio governo.
Primeiro acontecimento: antes do anúncio dos cortes no Orçamento, a
presidente Dilma Rousseff se reuniu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva de manhã, fora da agenda e na Granja do Torto, local distante
do Palácio da Alvorada e da cúpula política do governo, inclusive do
vice Michel Temer. E o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante,
participou. Nada disso é usual.
Segundo: o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, simplesmente não apareceu
na entrevista sobre o contingenciamento gigante, deixando a missão para o
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, seu companheiro de agruras
econômicas e adversário de disputas internas.
Terceiro: Lula voltou a São Paulo em tempo hábil, mas não deu as caras
na reunião do Diretório do PT que discutiu a convenção nacional do
partido, no mês que vem. Ok, a reunião foi um fiasco, com a maior parte
das cadeiras vazias, mas Lula não aparecer?
Conclusão: aí tem! E o eixo da crise é Levy, tido por Arminio Fraga como
"uma ilha de competência num mar de mediocridade". Mesmo que não seja
questão de competência e mediocridade, é questão de turma. Levy não é da
turma que gravita em torno do PT e está por toda parte na economia:
Planejamento, BNDES, CEF, BC, BB, Petrobrás. Logo, uma ilha ele é, ou um
peixe fora d'água.
Ao se atirar na condução da política econômica, nas estafantes
discussões internas sobre rumos e nas muitas vezes inócuas negociações
do ajuste fiscal com a base aliada, Levy sustenta-se num só pilar: a
presidente da República. Se ela lhe faltar, não sobra nada. E ela pode
ter começado a lhe faltar.
Quando dois petistas assinaram o manifesto de quarta-feira atacando o
ajuste fiscal como recessivo, de certa forma, pediram a cabeça de Levy.
Tudo bem com a assinatura de Paulo Paim, porque condiz com o personagem
dele. Mas nem tudo bem assim com a de Lindbergh Farias. Pergunta que não
quer calar no Congresso: ele agiu sozinho ou por orientação de Lula?
Mas o pior foi nos cortes do Orçamento. Levy tinha anunciado uma
tesourada entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões, mas o número final ficou
em R$ 69,9 bilhões, estrategicamente abaixo do limite mínimo que ele
assumira publicamente. Essa diferença, pequena diante do todo, foi mera
implicância? Foi um aceno para as bases petistas? Ou foi um recado para o
isolado ministro da Fazenda? Gripado ele estava, mas isso não o
impediria de dedicar meia dúzia de palavras ao País, ao mundo, numa hora
assim, diante de uma decisão grave como essa.
Afinal, o governo do PT e de Dilma passou a tesoura até mesmo na Saúde e
na Educação da tal "pátria educadora", minou os alicerces do tão
estratégico PAC e atingiu até mesmo o emblemático Minha Casa Minha Vida.
Aliás, depois do esfarelamento dos recursos do Pronatec e do Fies, só
faltava cortar os do Minha Casa. É o último bastião da campanha a ruir.
Então, embolou tudo: um corte brutal do Orçamento, a previsão oficial de
queda de 1,2% do PIB neste ano, o maior fechamento de empregos formais
de um abril desde 1992. E nada de aprovação do ajuste fiscal e do fim
das desonerações pelo Congresso. Parece cada vez mais difícil.
Dilma, Levy e Temer só têm esta semana para aprovar as medidas
provisórias que mudam regras trabalhistas e previdenciárias e, assim,
garantir o ajuste fiscal, ou ao menos algum ajuste fiscal. Como o prazo
de vigência de ambas é 1.º de junho, segunda-feira da próxima semana, é
agora ou nunca. E há uma dramática coincidência entre o prazo do ajuste e
o prazo de vigência do próprio Levy.
EXTRAÍDADATRIBUNADAINTERNET
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