por Fernando Gabeira O GLOBO
Sou Flamengo e brasileiro. Nos últimos tempos, tenho sentido em relação
ao clube as mesmas divisões que sinto em relação ao governo do Brasil. O
Flamengo tem um time de uma mediocridade tão desoladora que me faz
hesitar entre torcer para que não caia para a Segundona ou torcer para
que caia de uma vez e aprenda com o choque da realidade. Da mesma
maneira, a situação econômica me faz desejar que Dilma dê os passos
corretos, mas sua performance me faz desejar que caia de uma vez, para
recomeçarmos de outro patamar.
O Flamengo não consegue vencer um adversário sem um goleiro de fato. A
Pátria Educadora, lembram-se da solenidade com que Dilma anunciou o
slogan?, deixou as universidades federais do Rio em estado de miséria.
Algumas foram tomadas pelo lixo, outra ameaça desabar. Como dar aulas e
estudar numa atmosfera de decadência tão acentuada? O Flamengo fez um
ajuste fiscal em 2013, mas até hoje não se viram os resultados no
futebol, sua interface com milhares de torcedores. Além da
terceirização, algumas medidas idênticas às de Joaquim Levy foram
tomadas: aumento das taxas, redução de gastos. E no, entanto, na hora do
gol, nada.
No caso do plano de ajuste brasileiro, o gol é a retomada do
crescimento. Até o momento, só pensões e salários de pescadores foram
atingidos. Esperam-se o corte do governo e aumento de impostos. Como
fazer gols com pernas de pau? Como retomar o crescimento, aumentando a
carga das pessoas que produzem e consomem? Mesmo deixando barato esse
tipo de ajuste fiscal que não enxuga a gigantesca máquina do governo,
observamos que as universidades estão assim antes dos cortes
orçamentários. A partir de agora, será mais difícil criticá-las porque a
incompetência vai se escudar num argumento poderoso: não há dinheiro.
Assim como é difícil ganhar um certame nacional sem formar um time, será
muito difícil retomar o crescimento com tanta gente mamando nas tetas
do governo, uma pesada carga fiscal inibindo empreendedores e o absoluto
desprezo pelo conhecimento, vital nas economias modernas.
Não mudo de time nem de país, mas entendo a impaciência de alguns jovens
que veem a saída nos aeroportos. Está tudo muito confuso. As grandes
expectativas do movimento de rua não têm correspondência no universo
político. A oposição que propunha cortes de gastos aumentou as despesas
votando o fim do fator previdenciário. E no front da luta contra a
corrupção, deixou passar um bom momento para questionar o candidato ao
Supremo Luiz Edson Fachin: todos os seus líderes expressivos trocaram a
sabatina por uma homenagem a Fernando Henrique em Nova York.
O governo é um monstro de muitas cabeças batendo umas nas outras. A
tática de deixar Dilma sangrar não funciona. Ela já perdeu vários quilos
e continua dizendo bobagens com a maior tranquilidade. Uma delas é a
decisão de manter uma política de partilha no pré-sal.
Os chamados defensores da Petrobras criaram uma cláusula que obriga a
empresa a participar de todos os projetos da Petrobras, inclusive as
canoas furadas. Poderiam criar uma cláusula de preferência, deixando com
a empresa a decisão de escolher os projetos em que deva participar, de
acordo com seus recursos e a análise de risco.
A própria Petrobras, em documento enviado aos investidores americanos,
admite que tem limitações para investir no pré-sal. E agora? Com preços
baixos no mercado internacional e imagem negativa da empresa, como o
pré-sal vai carimbar nosso passaporte para o futuro?
É apenas mais uma promessa da pátria educadora com universidades em
ruína. Quando você pondera sobre a política de partilha, a reação mais
comum é considerar sua posição reacionária e entreguista. Se pudessem
dissipar os véus da ideologia, escolheriam o melhor para o país.
Norberto Bobbio disse no seu livro definindo a esquerda hoje que um
sistema estatal de aposentadoria digna é um marco divisor com a direita.
No Brasil, sinto que o respeito aos que trabalharam é universal no
espectro político: direita, esquerda e centro.
Ideias generosas como aumentar os gastos com os aposentados precisam
respeitar as leis do capitalismo. De onde virá o dinheiro para nossas
bondades? Joaquim Levy tem uma ideia: impostos que sobrecarregam
empresas e trabalhadores ativos.
Tanto essa história do papel da Petrobras no pré-sal como a do fim do
fator previdenciário estão cheias de boas intenções: defender a economia
nacional, proteger nossos simpáticos velhinhos. Mas, na prática,
conseguem o contrário do pretendem: prejudicam a Petrobras e colocam em
xeque o fundamento de um sistema previdenciário digno: sua
sustentabilidade.
Quando volto da estrada, aos domingos, vejo um futebol. Vou trocar o
hábito por um vídeo de clássicos europeus. Você pode dar um tempo na
relação com seu time, mas não com o país. Talvez por estar viajando, não
conheça bem todos as variáveis em jogo. Mas sempre que paro para ler e
pensar, pergunto-me para onde estamos indo como país. Penso na
Segundona, aqueles campos meio pelados, a luz fraca dos estádios. É isso
que nos espera?
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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