por Demétrio Magnoli Folha de São Paulo
A Mentira Original contamina o governo de Dilma Rousseff, gangrenando
suas bases políticas e ameaçando destruir o ajuste fiscal. Quarta-feira,
seis senadores de partidos governistas, inclusive dois petistas,
endossaram um manifesto assinado pela CUT, pelo MST e por diversas
lideranças do PT contra as medidas provisórias 664 e 665. Tudo indica
que, mais uma vez, o destino do ajuste depende do "patriotismo" de
parlamentares da oposição. Previsivelmente, a crise do lulopetismo
assume a forma de uma crise geral da gramática política brasileira.
Dilma reelegeu-se aplicando um golpe na democracia que foi
apropriadamente batizado como estelionato eleitoral. Ela fraudou o
pleito, prometendo aos eleitores que não seguiria o curso da austeridade
fiscal. Mais: num paroxismo de desonestidade política, acusou Marina
Silva e Aécio Neves de urdirem as "medidas amargas" que adotaria no dia
seguinte à posse. O cisma na sua base é fruto direto da Mentira
Original. Por que os defensores da desastrosa política econômica de
Dilma 1 deveriam acompanhar o cavalo-de-pau de Dilma 2?
Os eleitores decifraram a fraude. As imensas manifestações populares de
março, que refletiam a retração catastrófica dos índices de popularidade
da presidente, indicaram um caminho. Dilma só governaria se acertasse
as contas com a Mentira Original, renunciando à sua própria herança para
começar de novo. A legitimidade de Dilma 2 dependia de uma ruptura com o
lulopetismo, por meio da formação de um governo transitório de perfil
técnico. No lugar disso, a presidente decidiu persistir na mentira. O
custo inicial da opção expressou-se pela transferência das chaves do
poder para Joaquim Levy, na economia, e para o triunvirato
Temer/Renan/Cunha, na política. Mas o custo integral é maior: a
manutenção do fantasma de Dilma no Planalto exige que toda a vida
política do país se transforme numa farsa.
Farsa, parte um. O PT comporta-se como partido de oposição sem abdicar
de seu lugar no núcleo do governo. As impressões digitais de Lula estão
no manifesto dos governistas oposicionistas, assinado por inúmeras
figuras que só operam com seu tácito consentimento. "Não estamos contra a
presidente Dilma, mas contra a política econômica do governo",
esclareceu o senador Paulo Paim, um dos signatários da peça farsesca.
Dilma não tem os meios para enquadrar o PT: a mentira converteu-se na
jangada que a mantém à tona.
Farsa, parte dois. As dissidências na oposição transformam-se na aposta
principal do governo para a aprovação de um arremedo do ajuste fiscal.
Na Câmara, parte da bancada do DEM já ofereceu seus votos para a MP 665.
Os supostos oposicionistas, em vias de fusão com o PTB, invocaram os
"interesses da pátria" para camuflar sua trajetória de adesão a um
governo que sobrevive às custas da repartição dos despojos da máquina
pública.
A neblina da dupla farsa embaça os olhares. O colunista Hélio
Schwartsman acusou o PSDB de "oportunismo" por não respaldar a "agenda
de Joaquim Levy", como se o esparadrapo que Dilma 2 tenta aplicar sobre a
ferida hemorrágica de Dilma 1 equivalesse a um programa consistente de
reformas econômicas. Na gramática da crise do lulopetismo, o mundo foi
virado pelo avesso. Segundo a lógica pervertida da Mentira Original, o
governo aprovaria suas medidas impopulares com os votos da oposição –e
sob cerrado bombardeio do PT. Há meio melhor de chamar os eleitores de
palhaços?
O pouco que resta do ajuste fiscal não salvará as contas públicas. Mas
já dissolveu a linguagem política no caldo da ininteligibilidade. Ponto
para Lula.
MEA CULPA
Escrevi, aqui (16/5), que nenhum senador interpelou Fachin sobre a fonte
das leis. Aloysio Nunes, entretanto, fez a pergunta fatal. Fachin
respondeu-lhe renegando suas convicções. Farsa: seu "triunfo" é a forma
mais desonrosa da derrota.
0 comments:
Postar um comentário