por Roberto Macedo.
O chamado resultado primário das contas públicas, nas quais governo
federal tem de longe o maior peso, mede a diferença entre receitas e
despesas, mas excluídas destas últimas um de seus componentes mais
importantes, os juros da dívida pública. Esse resultado primário é
usualmente positivo ou superavitário. Caso contrário, toda a conta dos
juros se acrescentaria à dívida pública.
Assim, é costumeiramente divulgado como superávit primário, com o que ilude muita gente, a começar da imprensa que o divulga. A razão é que o cidadão comum desconhece o conceito, em particular o que significa nesse caso o adjetivo primário. Com isso, o que fica para muitos é a impressão enganosa de que as contas públicas são superavitárias. Trata-se de uma tremenda enganação, pois o resultado final dessas contas, aquele que leva em conta os juros da dívida pública, é tradicionalmente negativo ou deficitário. É o chamado déficit nominal, fiscal ou final, que também é o critério de avaliação das contas públicas que predomina internacionalmente.
Essa enganação é agravada porque o termo superávit primário nem sempre cabe nas manchetes de jornais. Outras vezes, como no rádio e na televisão, quem o anuncia se esquece de falar o adjetivo primário. E surgem notícias deste tipo: “superávit do governo no mês tal foi de tantos por cento do PIB”. Ou “governo faz novo superávit”. O adjetivo é ignorado e a enganação se torna explícita.
A atenção dos analistas e do cidadão comum deveria ser mais focada no déficit final e no respectivo aumento da dívida pública. Mas, o superávit primário é pregado e adorado pelo mercado financeiro, que com sua profusão de notícias e análises influencia muito o noticiário. Ele sabe que a dívida pública nunca será paga, só rolada e ampliada, e assim o que lhe interessa mesmo é se os juros serão pagos. É a primeira coisa que o governo faz, pois quebraria se não o fizesse. Assim, por conta dos juros sempre sobra um déficit que vira dívida adicional, e assim segue o barco do endividamento público, sempre mais carregado.
O mercado financeiro também quer saber se a dívida não crescerá além do razoável, e o superávit primário lhe serve como parâmetro dessa avaliação. Quanto maior for, maior será a capacidade de o governo pagar parte dos juros em dinheiro e não só com mais papéis de sua dívida.
No Brasil o superávit primário surgiu no primeiro mandato de FHC, quando o Plano Real trouxe o fim da inflação elevada, a qual aliviava o valor real das despesas públicas. O fim desse alívio evidenciou o gravíssimo problema fiscal, sintetizado pelo déficit final e pelo maior endividamento a que leva. E a necessidade de maior superávit primário serviu – nessa e noutras vezes, como também serve no momento –, para “justificar” aumentos da carga tributária para reforçá-lo.
Um superávit primário ampliado por mais impostos leva a outra enganação. Tal superávit costuma ser divulgado pela mídia como a economia, esforço ou poupança que o governo faz para pagar os juros de sua dívida. Ora, é sabido que governos se primam pela gastança e não pela poupança. Quem economiza, poupa e se esforça mesmo é o contribuinte ao “tossir” os impostos ampliados. Aliás, também é um absurdo chamar o cidadão de contribuinte, pois dá uma ideia de voluntariedade do pagamento.
Quanto a isso os anglo-saxônicos são mais explícitos e se consideram “tax payers” ou pagadores de impostos. Mas, como se percebe, economizam no tamanho das palavras, e precisamos de um termo mais conciso e contundente para substituir contribuinte. Que tal “impostado” ou “impostaxado”?
Concluo com os números mais recentes sobre o assunto, olhando apenas o governo federal, exclusive empresas estatais, mas incluindo o Banco Central e o INSS. 2014 terminou com um déficit(!) primário de 0,37% do PIB, ou seja, houve um déficit mesmo sem contar os juros nas despesas. Essa porcentagem pequena foi um dinheirão, R$ 20,5 bilhões, pois o PIB é grande. No primeiro trimestre de 2015, veio um superávit primário de 0,35% do PIB no período, sinalizando o ajuste fiscal em andamento.
Mas, o déficit nominal ou final passou de 4,92% do PIB de 2014 para 8,56%(!) do PIB do primeiro trimestre de 2015. Essa elevação veio principalmente da conta de juros, em face dos sucessivos aumentos da taxa básica, ou Selic, e de prejuízos que o governo teve com operações cambiais, também contados como juros. Como resultado, a dívida mobiliária federal interna, fora do Banco Central, avaliada pela chamada “posição de carteira”, subiu mais R$132,9 bilhões(!) no primeiro trimestre deste ano, o que equivale a cerca de cinco programas Bolsa Família.
Isto é parte da outra história que precisa ser contada aos “impostados” ou “impostaxados”, também iludidos pelo superávit primário. Vão pagar mais impostos, assumir uma dívida pública maior e talvez nem percebam que há muito mais por ajustar nas contas públicas do país.
* Economista e consultor do Espaço Democrático
EXTRAÍDADEPUGGINA.ORG
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