por Ruth de Aquino REVISTA ÉPOCA
Formamos cada vez mais bandidos e menos cidadãos. O crime da Lagoa é um alerta a um Estado omisso e incompetente
Tem
dias que a gente se sente/Como quem partiu ou morreu/A gente estancou
de repente/Ou foi o mundo então que cresceu/A gente quer ter voz
ativa/No nosso destino mandar/Mas eis que chega a roda-viva/E carrega o
destino pra lá.
Tem semanas que a gente precisa apelar para a poesia de Chico Buarque. Essa foi uma semana assim, marcada por um assassinato a sangue-frio, com requintes de crueldade, cometido com uma faca numa das áreas urbanas mais belas do Brasil: a Lagoa Rodrigo de Freitas. A Lagoa sediará algumas provas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e atrai atletas e famílias nos fins de semana.
Um médico cardiologista do Hospital Universitário do Fundão, da UFRJ, desarmado, pai divorciado que morava com os filhos, foi esfaqueado enquanto pedalava sua bicicleta. Cioso das regras dos ciclistas, usava capacete. Foi atacado por trás e, mesmo caído no chão, levou um corte no abdome, de baixo para cima, que atingiu quatro órgãos e frustrou qualquer chance de sobrevivência após oito horas de cirurgia. O principal suspeito é um jovem de 16 anos, franzino, com corte de cabelo parecido com o de jogadores de futebol e 15 passagens pela polícia, filho de uma catadora de lixo da favela de Manguinhos, abandonada pelo marido com três filhos.
Foi um choque. Não é caso isolado. Assaltos com facas – armas brancas cujo porte é permitido por lei – viraram moda no Rio. No transporte público, também os pobres, especialmente mulheres, têm sido ameaçados com faca por gangues de jovens. Atrás de celulares, carteiras, vale-refeição. Minha empregada, que acorda às 4h30 da manhã para vir trabalhar, conta que a garotada passa rasgando com faca as bolsas das passageiras nos pontos de ônibus.
Diante da tragédia que vitimou o médico Jaime Gold, as reações foram também extremas e desencontradas. A imprensa foi acusada de dar mais destaque a esse crime do que aos de um rapaz de 24 anos e um adolescente de 13 anos, mortos covardemente a tiros por um policial civil no Morro do Dendê, na Ilha do Governador. No mundo inteiro é assim. Em periferias ou áreas conflagradas, em guerra, as mortes recebem menos atenção do que os crimes em área turística, de lazer, buscada por nativos e estrangeiros.
Por envolver menores de idade, esse crime obriga políticos e sociedade a examinar com lupa sua imagem no espelho. Está claro que a culpa é de todos – além do assassino. Há muitos “monstros” por aí. Não nasceram assim. Mas nem por isso devem continuar impunes e soltos. Falta policiamento ostensivo.
Tem semanas que a gente precisa apelar para a poesia de Chico Buarque. Essa foi uma semana assim, marcada por um assassinato a sangue-frio, com requintes de crueldade, cometido com uma faca numa das áreas urbanas mais belas do Brasil: a Lagoa Rodrigo de Freitas. A Lagoa sediará algumas provas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e atrai atletas e famílias nos fins de semana.
Um médico cardiologista do Hospital Universitário do Fundão, da UFRJ, desarmado, pai divorciado que morava com os filhos, foi esfaqueado enquanto pedalava sua bicicleta. Cioso das regras dos ciclistas, usava capacete. Foi atacado por trás e, mesmo caído no chão, levou um corte no abdome, de baixo para cima, que atingiu quatro órgãos e frustrou qualquer chance de sobrevivência após oito horas de cirurgia. O principal suspeito é um jovem de 16 anos, franzino, com corte de cabelo parecido com o de jogadores de futebol e 15 passagens pela polícia, filho de uma catadora de lixo da favela de Manguinhos, abandonada pelo marido com três filhos.
Foi um choque. Não é caso isolado. Assaltos com facas – armas brancas cujo porte é permitido por lei – viraram moda no Rio. No transporte público, também os pobres, especialmente mulheres, têm sido ameaçados com faca por gangues de jovens. Atrás de celulares, carteiras, vale-refeição. Minha empregada, que acorda às 4h30 da manhã para vir trabalhar, conta que a garotada passa rasgando com faca as bolsas das passageiras nos pontos de ônibus.
Diante da tragédia que vitimou o médico Jaime Gold, as reações foram também extremas e desencontradas. A imprensa foi acusada de dar mais destaque a esse crime do que aos de um rapaz de 24 anos e um adolescente de 13 anos, mortos covardemente a tiros por um policial civil no Morro do Dendê, na Ilha do Governador. No mundo inteiro é assim. Em periferias ou áreas conflagradas, em guerra, as mortes recebem menos atenção do que os crimes em área turística, de lazer, buscada por nativos e estrangeiros.
Por envolver menores de idade, esse crime obriga políticos e sociedade a examinar com lupa sua imagem no espelho. Está claro que a culpa é de todos – além do assassino. Há muitos “monstros” por aí. Não nasceram assim. Mas nem por isso devem continuar impunes e soltos. Falta policiamento ostensivo.
O
Rio está coalhado de viaturas paradas, com policiais conversando, e
áreas estratégicas abandonadas. Mas não basta e nem há policiais
suficientes para colocar um PM em cada esquina. Falta preparo. Fardados
não podem matar, achacar e montar versões. Não basta ser expulso da
corporação. Precisa ser isolado da sociedade.
Falta iluminação pública. Falta saneamento para não conviver com ratos. Falta a presença do Estado nas favelas. Não adianta ter UPP sem o Estado.
Falta investigação: até agora não entendi como esse menino, considerado foragido, tinha tantas bicicletas caras roubadas no barraco após 15 passagens pela polícia. Impressionou a rapidez com que os policiais o encontraram.
Falta rigor da Justiça: adultos ou adolescentes, não importa a idade, ficam detidos pouco tempo para os crimes que cometem; e isso vale para os corruptos, os estupradores e os assassinos do trânsito.
Falta reduzir a maioridade penal em crimes hediondos. Se um crime bárbaro desses rendesse prisão perpétua ou 30 anos, não importa a idade do assassino, mesmo os pobres e carentes só roubariam da vítima, e não tirariam vidas.
Falta descriminalizar as drogas, começando pela maconha, para dar um tiro no pé e no nariz do crime organizado.
Falta melhorar o sistema penitenciário. Tanto as instituições de menores quanto nossas cadeias comuns são escolas de crimes, indignas. A maioria absoluta de crianças pobres quer estudar e trabalhar. Para os que desafiam os pais, fogem de casa e preferem ser delinquentes, que tal criar presídios-escolas?
Falta sobretudo uma sociedade digna, que forme cidadãos e não bandidos. Falta planejamento familiar para evitar paternidade e maternidade aos 14 ou 16 anos. Faltam creches para bebês serem assistidos com carinho e as mães poderem trabalhar. Falta, na “pátria educadora”, Educação com maiúscula, para todos e de qualidade em tempo integral – não escolas sem merenda, sem banheiro e sem professores.
Falta iluminação pública. Falta saneamento para não conviver com ratos. Falta a presença do Estado nas favelas. Não adianta ter UPP sem o Estado.
Falta investigação: até agora não entendi como esse menino, considerado foragido, tinha tantas bicicletas caras roubadas no barraco após 15 passagens pela polícia. Impressionou a rapidez com que os policiais o encontraram.
Falta rigor da Justiça: adultos ou adolescentes, não importa a idade, ficam detidos pouco tempo para os crimes que cometem; e isso vale para os corruptos, os estupradores e os assassinos do trânsito.
Falta reduzir a maioridade penal em crimes hediondos. Se um crime bárbaro desses rendesse prisão perpétua ou 30 anos, não importa a idade do assassino, mesmo os pobres e carentes só roubariam da vítima, e não tirariam vidas.
Falta descriminalizar as drogas, começando pela maconha, para dar um tiro no pé e no nariz do crime organizado.
Falta melhorar o sistema penitenciário. Tanto as instituições de menores quanto nossas cadeias comuns são escolas de crimes, indignas. A maioria absoluta de crianças pobres quer estudar e trabalhar. Para os que desafiam os pais, fogem de casa e preferem ser delinquentes, que tal criar presídios-escolas?
Falta sobretudo uma sociedade digna, que forme cidadãos e não bandidos. Falta planejamento familiar para evitar paternidade e maternidade aos 14 ou 16 anos. Faltam creches para bebês serem assistidos com carinho e as mães poderem trabalhar. Falta, na “pátria educadora”, Educação com maiúscula, para todos e de qualidade em tempo integral – não escolas sem merenda, sem banheiro e sem professores.
Quando
lembro os Cieps do Brizola e do Darcy Ribeiro, solução simples, barata e
eficaz, por isso abandonada... quando lembro uma frase atribuída ao
Brizola: “O PT é a UDN de macacão”... aí eu penso que tem dias que a
gente se sente como quem partiu ou morreu.
EXTRAÍDADOROTA2014BLOGSPOT
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