O maior mistério da economia brasileira, neste momento, ainda é o
tamanho do estrago produzido no primeiro mandato da presidente Dilma
Rousseff. Ninguém sabe, portanto, quanto ainda custarão os danos
causados pelos erros e desmandos cometidos nos últimos quatro anos nem a
extensão do conserto necessário. O governo anunciou na sexta-feira o
corte de R$ 69,9 bilhões do Orçamento, a ação mais espetacular, até
agora, para diminuir o buraco nas contas públicas. Na véspera, a
Moody's, uma das três mais importantes agências de classificação de
risco, havia rebaixado a Eletrobrás do grau de investimento para o grau
especulativo. Isso resulta, normalmente, em crédito menos acessível e,
portanto, mais caro. Esse novo dano imposto a uma das maiores estatais é
mais uma consequência das bobagens cometidas no mandato anterior.
Em termos mais diplomáticos, mas inequívocos, um analista da agência,
José Soares, mencionou a fragilidade de caixa da Eletrobrás e a
perspectiva de piora de suas condições financeiras no próximo ano. A
entrada de caixa foi severamente prejudicada pela contenção política de
tarifas. A indústria de etanol, prejudicada igualmente pela política de
preços dos combustíveis, ainda está em recuperação.
Também no caso da Petrobrás, devastada pela interferência do Palácio do
Planalto, os efeitos da política voluntarista, do aparelhamento e do
loteamento continuam aparecendo. Na última terça-feira, fundos de
investimento e de pensão de oito países e uma associação de caridade
americana abriram mais um processo contra a empresa num tribunal de Nova
York.
Desde dezembro, segundo informou o correspondente Altamiro Júnior, nove
ações judiciais foram abertas nos Estados Unidos, todas ligadas à
Operação Lava Jato. As investigações de corrupção têm revelado, no
entanto, apenas uma parte dos males causados pela ingerência na
administração da empresa. De toda forma, a Operação Lava Jato é uma
história ainda sem conclusão e a lista dos problemas da estatal pode
alongar-se.
Sem poder esperar, o governo tem de avançar no conserto sem conhecer a
dimensão dos danos e até as condições de execução da nova política. O
chamado contingenciamento de verbas - provavelmente para valer durante
todo o ano - será complementado por outras medidas. Os bancos poderão
pagar uns R$ 4 bilhões a mais com o aumento de sua Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL). Parte da arrumação fiscal ainda vai ser
decidida no Congresso. Há muita resistência, até entre parlamentares da
base do governo, a mudanças, propostas pelo Executivo, nas condições de
acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários e na desoneração da
folha de salários. Sindicalistas e dirigentes de entidades empresariais,
como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, participam
dessa resistência.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem estado na linha de frente das
negociações. Também o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, tem
trabalhado em defesa do pacote de ajuste. Eles definiram os objetivos do
governo, mas é muito difícil dizer, neste momento, se a estratégia
fixada para os próximos meses será suficiente. A arrecadação federal
continua muito ruim. A receita de abril, R$ 109,24 bilhões, foi 4,62%
menor que a de um ano antes, descontada a inflação. Em termos reais, foi
o pior resultado para o mês nos últimos cinco anos. No quadrimestre o
governo arrecadou R$ 418,62 bilhões, 2,71% menos que entre janeiro e
abril de 2014. A perda reflete essencialmente as más condições da
economia. A atividade, muito baixa no ano passado, ainda se enfraqueceu
neste ano, mesmo antes de qualquer medida de arrocho orçamentário.
Comparando números de janeiro-abril deste ano com os do ano passado, o
relatório da Receita Federal aponta deterioração das grandes fontes de
tributos. A lista das "divisões econômicas" inclui dez áreas de
atividade. Em todas a arrecadação foi menor que a de 2014. O resultado
poderia ter sido melhor se o governo tivesse conseguido eliminar pelo
menos uma parte das desonerações, assunto ainda na dependência do
Congresso.
De toda forma, a retração econômica e seu efeito na arrecadação mais uma
vez confirmam o fiasco da política de benefícios fiscais improvisados. A
desoneração da folha de pagamentos, tanto quanto os demais incentivos
tributários a setores selecionados, simplesmente falhou como estratégia
de crescimento. Esse fato evidente foi mais de uma vez apontado por
analistas nos últimos dois anos, mas o governo insistiu no equívoco.
Duplo equívoco, de fato, porque recorreu a remendos tributários e, além
disso, deu mais atenção ao consumo do que à produção. Além disso, jamais
ofereceu, com sua política improvisada, um rumo bastante claro para
gerar confiança e estimular o investimento privado.
Discursando no Rio de Janeiro na sexta-feira, a diretora-gerente do
Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, apoiou o
compromisso de ajuste anunciado pelo governo e usou cinco vezes a
palavra "credibilidade", uma no título e quatro no texto apresentado.
Não foi por acaso. Ela conhece muito bem os erros cometidos nos últimos
anos e a desmoralização da política econômica no mandato anterior da
presidente Dilma Rousseff. Com a gentileza esperada de uma funcionária
internacional, ela falou sobre as prioridades para o Brasil e mencionou a
importância de cuidar, agora, das condições da oferta e do potencial de
crescimento. Não precisaria renunciar à elegância e comentar
diretamente o acúmulo de erros políticos.
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