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06:40
ANDRADEJRJOR
J.R. GUZZO REVISTA VEJA
O Brasil, apesar de toda
a torcida e de todos os esforços em contrário, é uma democracia há pelo
menos trinta anos - funciona mal, mas funciona em modo pleno, e isso é o
que interessa no mundo das realidades. Todos os direitos individuais
são respeitados. A liberdade de expressão é completa. O governo tem de
obedecer às leis. O exercido da atividade política é perfeitamente livre
para todos. Não há nenhuma ideia proibida, e por aí se vai. Não existe
problema algum, portanto, para que pessoas, organizações, partidos ou
seja lá quem for defendam em público os valores que acham corretos.
Acontece que a mente humana não é um lugar necessariamente lógico;
quando se pergunta quanto são 2 mais 2, por exemplo, é surpreendente a
quantidade de pessoas que respondem: "Depende". Além disso, estamos no
Brasil - e no Brasil, sobretudo hoje em dia, há uma extraordinária
coleção de coisas que "dependem". A que está chamando mais atenção no
momento, entre outras, é a defesa de valores por parte de quem tem
obrigação de defendê-los. Após trinta anos de democracia, pregar a favor
deste ou daquele valor deveria ser uma atitude rigorosamente comum no
dia a dia da vida pública. Mas não é - "depende". Ou, como se diz, não
"rola".
Como acontece em nossa terra com certas leis, o debate às
claras sobre questões de princípio não "pegou", apesar de toda a
liberdade política que existe à disposição dos interessados. Poucas
vezes isso esteve tão claro como nos últimos dias, quando foi preciso
que o mundo político dissesse com clareza se é a favor ou contra o
pacote de pontos de vista do advogado Luiz Fachin, indicado pela
presidente Dilma Rousseff para completar o quadro de onze ministros do
supremo tribunal Federal. E poucas vezes a dificuldade de defender
abertamente alguma postura moral ficou tão bem demonstrada como na
deserção generalizada do PSDB, o principal partido de oposição do país,
diante das obrigações que tem perante seus eleitores. O problema não
está no doutor Fachin, que não precisa da autorização de ninguém para
pensar o que pensa, ou dizer o que pensa - sobre casamento, família e
paternidade, por exemplo, questões que a seu ver estão contaminadas por
leis obsoletas, ou sobre o direito à propriedade privada, que segundo
ele só pode valer se servir para funções sociais que ninguém sabe quais
seriam, ou sobre invasões de terra, das quais é um entusiasta. Ele
também tem todo o direito de escrever coisas como "transubjetivação",
"espacialidade", "diárquico" ou "eudemonista", ou de chamar o morto de
de cujus - é apenas a obsessão de ser incompreensível que comanda os
circuitos mentais de quase todos os brasileiros empenhados em provar que
são juristas. O problema, por inteiro, está com o PSDB, que nessas
horas é incapaz de dizer abertamente se acredita ou não, para valer, em
alguma coisa. Vai ao contrário, exatamente, do PT, o partido que faz
mais uso do seu direito constitucional de dizer o que pensa e o que quer
- ou dos cultos evangélicos que não têm medo de agir em defesa da sua
própria fé.
Para simplificar: o maior partido brasileiro de
oposição é a favor da propriedade privada, ou da validade do contrato
civil de casamento tal como está escrito na lei? Não pode haver nada
mais simples - basta dizer "sim" ou "não". Mas o PSDB da vida real não
consegue, como ficou comprovado mais uma vez na indicação do novo
magistrado. Suas principais lideranças construíram o prodígio de estar
em Nova York justo no dia em que o Senado fez a sabatina de Fachin; um
recorde, provavelmente, em matéria de correr da raia. Se não querem nem
fazer perguntas, como esperar que tenham respostas? Outro de seus
arquiduques foi ainda mais longe: ficou logo de uma vez a favor do nome
proposto, por conveniência política pessoal. O PSDB de hoje, na verdade,
até que se mostra capaz de fazer oposição ao governo; estão aí seus
discursos, votos no Congresso, participação em CPIs, pedidos de
investigação. Mas o partido, salvo exceções, desaparece quando se trata
de assumir alguma posição relativa a valores - o terreno onde a vida
realmente se complica e a franqueza pode trazer riscos. Age como se
valores fossem uma linha de ônibus, que as pessoas só tomam para ir ao
lugar que lhes interessa. Não pode haver nada de bom nesse tipo de
conduta. Um partido que tem medo de deixar que o verdadeiro e o falso
sejam discutidos no livre mercado de ideias é um partido que tem medo
das maiorias; seus chefes se condenam a viver na situação de desertores
permanentes.
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