editorial do Estadão
A inegável e importante vitória que significou para a presidente Dilma
Rousseff a aprovação pelo Senado de sua indicação do advogado e
professor Luiz Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal (STF) deve
ser reconhecida, mas também analisada à luz das complexas circunstâncias
que envolveram o episódio. O discurso lulopetista em cena há mais de 12
anos induz as pessoas a considerarem o jogo político um simples
exercício do confronto entre o Bem e o Mal. A natureza humana e, por
consequência, o relacionamento entre os viventes, porém, são muito mais
complexos do que faz supor o maniqueísmo propagado em benefício próprio
pelos pretensos donos da verdade. Na mesma sessão, os senadores
demonstraram isso ao rejeitar outra indicação de Dilma, menos polêmica,
mas igualmente relevante: a do diplomata Guilherme Patriota para a
chefia da representação brasileira na Organização dos Estados Americanos
(OEA).
A aprovação do nome de Fachin pelo Senado era certamente ponto de honra
para Dilma, considerando o estrago que um veto significaria para sua já
combalida imagem política. Mas exatamente por estar politicamente
fragilizada a presidente jamais teria conseguido, sozinha, garantir a
votação favorável a seu indicado, principalmente com a ampla margem
obtida, de 52 votos a 27. Contribuíram decisivamente para esse resultado
o competente desempenho de Fachin na sabatina a que foi previamente
submetido pelos senadores; o apoio da representação parlamentar de seu
Estado, o Paraná, simbolizado pela atuação do senador tucano Álvaro
Dias, habitualmente um aguerrido oposicionista; a solidariedade de seus
agora pares no Supremo, à frente o presidente da Corte, Ricardo
Lewandowski; e a “traição” de alguns membros da bancada peemedebista que
entenderam conveniente impor limites à atuação antigovernista do
presidente do Senado, Renan Calheiros, que discreta mas
indisfarçavelmente trabalhava pelo veto à indicação de Fachin.
De resto, o fato de o advogado e professor gaúcho radicado no Paraná ter
um passado de militância política comprometida com teses ditas
progressistas não invalida a possibilidade de vir a cumprir na Suprema
Corte a missão precípua de defender os preceitos constitucionais acima
de suas inclinações político-partidárias. Esse foi, aliás, um
compromisso assumido por Fachin ao longo de toda a campanha a que se
dedicou, principalmente junto aos senadores, em defesa de sua indicação.
Não ofende a democracia, ao contrário, enaltece-a, o fato de o Supremo
ser composto por um colegiado tão representativo quanto possível da
ampla gama de pensamento político de uma sociedade pluralista. O que
importa é que, no exercício de suas atribuições, um juiz da mais alta
corte do País se conforme à responsabilidade de garantir a solidez
institucional, deixando às forças vivas da nacionalidade a iniciativa de
lutar e conquistar, dentro das regras da democracia, os avanços
inerentes à dinâmica do processo civilizatório. Magistrado não deve ser
“progressista” ao julgar. Basta fazer cumprir a lei, o que em sociedades
de formação cultural ainda incipiente já é um grande progresso.
A atuação do Senado Federal na aprovação do substituto de Joaquim
Barbosa no STF significou ainda – apesar de todos os interesses
subalternos que compuseram a cena dirigida pelo notório Renan Calheiros –
uma importante reafirmação da Câmara Alta, e por extensão de todo o
Poder Legislativo, da independência e autonomia indispensáveis à
harmonia entre os Poderes da República e ao consequente funcionamento do
sistema democrático de governo. Ao longo da história republicana, de
modo geral o Senado tem exercido um papel meramente homologatório nas
indicações ao STF, quase nunca se dando ao trabalho de submeter os
candidatos – como ocorreu agora – a um escrutínio severo e minucioso,
compatível com a enorme responsabilidade que implica o uso da toga de
magistrado supremo.
A abstenção mínima na sessão de terça-feira, de apenas dois senadores, é
mais um indício da importância atribuída pelos parlamentares a este
episódio, que se torna exemplar, menos pelo resultado da votação do que
pelo seu significado institucional.
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