Jorge Béja
Somente a Constituição do Império (1824) resguardou o Imperador de qualquer responsabilidade (“Artigo 99 - A pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada: elle (sic) não está sujeito a responsabilidade alguma“). Desde então, todas as demais Constituições do Brasil impuseram à pessoa do Presidente da República deveres que, quando descumpridos, acarretam o seu afastamento do exercício do cargo.
De todas outras posteriores, a Carta de 1988 é a que mais se aproximou dos naturais princípios democráticos e republicanos de um bom e exemplar governante, ideal que ainda está muito longe de ser concretizado e que a cada dia se degrada ainda mais.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Quando a Constituição Federal (CF) dispõe no artigo 85 que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem, dentre outros, contra a “probidade na administração” (item V), tal disposição constitucional impõe ao presidente várias obrigações de deveres a serem cumpridos, previstos na própria Constituição Federal e na Lei nº 8.429/1992 que regula, no plano infraconstitucional, as sanções aplicáveis aos agentes públicos que venham cometer (por ação ou omissão) improbidade administrativa, conceito de ampla tradução e alcance e que não se exaure apenas nas situações que a lei define e vai muito mais além delas.
MÁ GESTÃO E IMPEACHMENT
No plano constitucional, a má gestão é causa suficiente para que a presidente Dilma Rousseff venha ser submetida a processo de impeachment e afastada da presidência. O artigo 37 da CF diz textualmente que “A administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”. Basta que um desses princípios não seja obedecido – sem precisar chegar ao avançado ponto de desobediência que o governo Dilma atingiu – para que se dê o afastamento da presidente do exercício do cargo. E a falta de eficiência da gestão Dilma Rousseff dispensa dizer em qual ou quais áreas ocorre. Ela é geral e generalizada.
Que seu governo é ineficiente todos sabemos, sentimos e reagimos contra. Para ilustrar a completa falta de eficiência do governo Dilma, tomo aqui, emprestado, o comentário que o nosso editor, jornalista Carlos Newton, lançou hoje no rodapé da notícia do encontro de duas horas de Jô Soares com Dilma no Palácio do Planalto. Escreveu CN: “O país mergulhado numa crise, com economia em estagflação (recessão e inflação simultâneas), desemprego em alta, desindustrialização, elevação contínua da dívida pública, em meio à progressiva degradação da saúde, da educação e da segurança, e a chefe do governo tem condições de passar duas horas conversando fiado com um apresentador de TV. Mostra que nenhum dos dois tem coisa melhor a fazer”.
E NINGUÉM VÊ, NEM FALA…
Nada mais é preciso dizer. Carlos Newton, com sua experiência e ampla visão política e social, disse tudo. A má gestão (sinônimo de falta de eficiência, como previsto na CF), é causa jurídica e política suficiente para o afastamento de Dilma da presidência. Mas a respeito disso ninguém fala, ninguém escreve, ninguém cuida, ninguém vê e toma providência. Sim, porque se a falta de legalidade, de impessoalidade, de moralidade, e de publicidade são motivos para que o presidente seja afastado do exercício do cargo, por que a falta de eficiência não será, uma vez que todo o administrador público, mais destacadamente o Presidente da República, deve estrita e incontornável obediência a tais princípios?
DENÚNCIAS & DENÚNCIAS
Existem outras denúncias que amparam a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma. Esta última, por exemplo, do empreiteiro Ricardo Pessoa, presidente da UTC, que teria sido forçado a doar (e doou) R$ 7 milhões para a campanha de Dilma nas eleições de 2014, se comprovada, leva à cassação da diplomação de Dilma Rousseff como vencedora do pleito. Cassada a diplomação, cassado seu único e principal efeito, que é a posse na presidência. É o que diz a lei eleitoral.
Eventual alegação de ter sido a doação para o PT não vinga. Comete crime, eleitoral ou de qualquer outra natureza, quem o pratica e quem dele se beneficia, direta ou indiretamente. E parece que Pessoa tem a prova. Se não tiver, ocorrerá a quebra do pacto da delação premiada e sua pena será muitíssimo agravada, por ter dito e por não ter comprovado o que disse.
A LETRA DA LEI
Vamos deixar de contorcionismo e de casuística na interpretação e aplicação da lei. A legislação que trata dos atos de improbidade na administração pública a todos apanha, a começar pelo Presidente da República, que é o servidor nº 1 do país. Diz o artigo 1º da Lei 8.429, de 2.6.1992 (Lei da Improbidade Administrativa) que “Os atos de improbidade (são aqueles) praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração….”.
Diz ainda o artigo 2º “Reputa-se agente público, para os fins desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura, mandato, cargo, emprego ou função...”.
E para quem comete um, uns ou mesmo todos o 36 atos ilícitos que a lei relaciona como improbidade, a pena é sempre a “perda da função pública”, cumulada com outras. No caso do Presidente da República, a perda da função pública é o impeachment, o impedido de continuar presidente.
O “BANAL” QUE DERRUBA
Semana passada um de nossos leitores comentou que a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estava na iminência de fechar as portas por falta de verba, além da péssima conservação de seus prédios e outros acervos. Ao leitor respondi e ratifico o que disse. Das 36 causas elencadas na lei, essa é uma que motiva o impeachment do Presidente da República, ao menos se o Brasil fosse um país sério, adulto, idôneo, cumprisse suas leis e se fizesse respeitar. Parece ser fato sem peso e importância. Parece banal, mas não é. Explica-se: “Agir negligentemente na conservação do patrimônio público é ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário“.
Está na Lei 8.429/92, artigo 10, nº X. E a responsabilidade pela negligência atinge o Presidente da República, pela escolha e nomeação do seu Ministro da Educação. É a chamada Responsabilidade pela culpa “in eligendo“. O presidente responde por ter escolhido mal o seu ministro. Daí se infere a enorme e indiscutível responsabilização de Dilma Rousseff quando nomeou Sérgio Gabrielli e depois Graça Foster para presidir a Petrobras. E deu no que deu. E muito mais ainda dará.
O DEVER DE SABER
E não venham dizer que a presidente Dilma não sabia. Faz tempo que a denominada “obrigação de saber” de Peter Eigen é adotada e aplicada hoje por todos os países com legislação avançada e Judiciário independente. Eigen escreveu: “Muitas vezes os dirigentes não querem tomar conhecimento das sujeiras a seu redor. O abuso desse escudo da impunidade levou o sistema judicial americano a evoluir para a noção da “obrigação de saber”. O chefe é responsável pela ação dos seus subordinados. E ponto final”.
Como se vê, não se pode excluir a responsabilidade da autoridade por ato de improbidade de seus subordinados. Vamos aguardar para esta quarta-feira, 20 de maio, a entrega e divulgação do parecer encomendado ao professor e Jurista Miguel Reale Júnior, a respeito da possibilidade legal do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Razões e motivos é que não faltam. Aqui foram expostos, sucintamente, dois: a improbidade administrativa e a má (péssima) gestão de Dilma na presidência da República.
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