Com Blog Rodrigo Constantino - Veja
Qual a grande vantagem do sistema capitalista de livre mercado? Sua
descentralização impessoal, em síntese. Milhões de indivíduos, movidos
por seus próprios interesses e guiados por uma “mão invisível” acabam
produzindo um resultado mais eficiente e benéfico para a imensa maioria.
Esse sistema de trocas é impessoal, ou seja, não compramos ou vendemos
para o outro olhando cara e coração, suas intenções, cor da pele, credo
religioso, mas sim o mérito, o valor subjetivo.
É justamente tal impessoalidade que incomoda muita gente, em especial
dos “intelectuais” românticos. Eles gostariam de ver a boa intenção nas
trocas, o altruísmo, a camaradagem. Não entendem que isso seria matar a
galinha dos ovos de ouro, voltar para um tribalismo onde o conhecimento
pessoal limitava sobremaneira as trocas. Não dou crédito com base na
confiança das regras impessoais do jogo, e sim na afetividade. Ora, só
dou crédito, então, para poucos amigos!
Essa mentalidade tribal leva ao escambo, contra o lucro impessoal do
capitalismo. É muito mais limitado, restringindo as trocas possíveis na
economia. E está por trás do patrimonialismo também, pois a coisa
pública (república) acaba vista como “cosa nostra”, e a patota no poder
como uma grande famiglia. Eu só favoreço os “meus”, e daí surge o privilégio (de prive leges,
leis privadas). É um sistema condenado à ineficiência e à corrupção,
pois calcado na camaradagem, não na confiança no próprio sistema
impessoal.
Esse tem sido um dos temas mais presentes nos trabalhos do antropólogo
Roberto DaMatta, e, com base em fala de Mujica, foi também o assunto de
sua coluna de hoje. Abaixo, alguns trechos interessantes:
O
Brasil é doente, diagnosticou o insuspeito ex-presidentre do Uruguai
José Mujica, numa entrevista à BBC que O GLOBO repercutiu na sua edição
do dia 24 do corrente. Para Mujica, com 80 anos e muitos quilômetros
rodados na vereda política e tendo como norte a irmandade esquerdista
latino-americana, a patologia nacional brasileira tem como centro o
“tráfico de influência” que seria uma “tradição” do nosso sistema
político. Concordo em gênero, número e grau com Mujica.
[...]
A
lógica do dar e receber (ou do dar para receber) é o coração do
“favor”. Se eu te faço um favor, se eu te devo favores, esses favores
nem sempre se encaixam nas divisões ideológicas e jurídicas que regem o
Brasil como país.
[...]
Num
nível tudo parece muito simples: gastamos muito, erramos muito mas,
acima de tudo, continuamos a imaginar a centralização como a saída para
todos os problemas nacionais, esquecendo a força dos velhos costumes, os
quais têm o poder das velhas tecelagens, como revela Mujica.
Tanto
no plano econômico quanto no político, as regras são claras e formais.
Mas o mundo das “influências” advindas da casa, uma ética da
reciprocidade interfere com a do Estado e distorce o chamado “espirito
do capitalismo”. Nessa tecelagem, a empresa não visa ao lucro, mas ao
emprego para os amigos e recursos para o partido.
[...]
É
impossível resistir aos amigos, mas é muito mais difícil liquidar essas
sobras aristocráticas que são, a meu ver, a marca mais forte e
permanente do nosso republicanismo: cargos que impedem punição, crimes
que prescrevem, responsabilidades que não são cobradas. Num certo
sentido, não temos noção da tal “coisa pública” — esse conceito
imprescindível para uma vida igualitária e democrática — republicana.
Em suma, precisamos deixar de ser uma grande tribo controlada por
“caciques e amigos” e nos transformar, de fato, numa República com
regras impessoais, válidas igualmente para todos, com ampla liberdade
individual e um sistema dominado pelas trocas voluntárias.
EXTRAÍDADOBLOGROTA2014
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