Jornalista Andrade Junior

sábado, 21 de fevereiro de 2015

"Ginástica na cela",

Matias Spektor  FOLHA DE SÃO PAULO

Um novo consenso ganha adeptos na imprensa, nas universidades, na Esplanada dos Ministérios, em ninho tucano e em campo petista: se a política externa encontra-se de mãos atadas, a culpa é de Dilma.
Há coisa de dois anos, quando o burburinho ainda era marginal, esta coluna o alimentou.
Não me arrependo, porque a retração internacional do país durante o primeiro mandato teve as digitais do Planalto. Do Paraguai à Venezuela, da Bolívia à Ucrânia e à África, o governo tropeçou feio. Com os cortes orçamentários mais recentes, o cenário é desolador.
Só que seria um erro reduzir tudo à caricatura simplória de uma presidente que tem medo de pegar avião e desgosta de diplomacia.
Esse tipo de crença alimenta a fantasia segundo a qual, sem Dilma, nosso problema de inserção internacional estaria resolvido.
Bastaria um presidente interessado pelo assunto e com dinheiro em caixa para retomar a trajetória ascendente. Não é assim porque uma trajetória ascendente depende de um bom roteiro.
E hoje não temos roteiro. FHC tinha o dele –a adaptação à globalização. Lula idem –a desconcentração do poder mundial. Juntos, eles melhoraram a nossa posição no mundo.
Hoje, contudo, o prazo de validade desses roteiros venceu. Em todas as áreas centrais da política externa brasileira, a demanda por pensamento novo é brutal.
Nada indica que, nesta conjuntura nefasta, o governo tenha interesse ou capacidade para criar um roteiro novo.
Isso dito, porém, mesmo uma política externa que é prisioneira de circunstâncias adversas tem espaço de manobra.
Como prisioneira que é, a diplomacia profissional pode ficar sentada à espera da liberdade ou adotar um regime de exercícios capaz de fortalecer-lhe a musculatura para o dia em que a liberdade chegar. É possível fazer ginástica na cela.
Existe um bom precedente histórico. O general Figueiredo assumiu o governo em 1979 numa conjuntura horrível para seu regime: sucessivas derrotas políticas, crise da dívida externa, implosão da coalizão dos países em desenvolvimento e uma onda de ameaçadoras reformas liberais. Quando deixou o poder, deixou o país em seu pior momento numa geração.
O general tinha interesse limitado por temas internacionais. Não tinha intimidade com seu chanceler (preferia ouvir conselhos de seus amigos de farda). No Itamaraty, faltava dinheiro para tudo.
Apesar disso, a performance da diplomacia brasileira da época foi de tirar o chapéu.
O Brasil ajudou a desarmar uma intervenção americana no Suriname e conseguiu a proeza de fazer da Argentina pós-Malvinas uma aliada. Pela primeira vez, criou-se política ativa para Colômbia, Equador e Venezuela, abrindo espaço para a guinada regional que viria a seguir. Algo similar ocorreu na África. Ginástica na cela.
Nas próximas semanas, a coluna vai passar em revista a série de problemas de política externa cuja resolução é urgente, mas não depende de grande engajamento presidencial.
FONTE ROTA2014

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