por Eliane Cantanhêde O ESTADO DE SÃO PAULO
Às voltas com a crise moral, o escândalo gigantesco da Petrobrás, o
mergulho da economia, o descontrole da política e o encolhimento da
política externa, o Brasil passa um outro vexame internacional: o enredo
da escola de samba campeã do maior carnaval do mundo foi uma propaganda
descarada de uma das ditaduras mais sanguinárias da África.
A Beija-Flor e a embaixada da Guiné Equatorial negam que o país tenha
despejado R$ 10 milhões para o sucesso da escola, mas alguém acredita
que a propaganda foi de graça, pelo exemplo que a Guiné dá ao mundo ou
pelos belos olhos do ditador Teodoro Obiang?
Sinceramente, já tão perplexos, indignados, morrendo de vergonha e
pagando a conta dos desmandos alheios, bem que nós, brasileiros,
poderíamos ter passado sem mais essa. A homenagem gratuita - quem sabe
benemérita? - ao cruel e mais longevo regime africano reforça a imagem
de um Brasil que joga fora os muitos ganhos das últimas décadas e onde a
moral escorre pelo ralo na Petrobrás.
A Guiné Equatorial é um país rico com população miserável, onde o
petróleo jorra fácil, a corrupção campeia e os seus ditadores, que
assumiram o poder por um golpe de estado há 32 anos, têm bilhões de
dólares em contas e em imóveis ao redor do mundo.
Enquanto isso, o povo morre de fome, de ignorância e de maus tratos. A
expectativa de vida é de 53 anos e 90% não têm acesso à internet. E vem o
Brasil transformar essa tragédia em festa na Sapucaí.
Diante do escândalo da Petrobrás e da falta óbvia de argumentos a favor
do PT, do governo e da direção da estatal, os militantes que defendem o
indefensável proclamam: "Mas todo mundo faz..." Pois na incrível relação
da Beija-Flor com a Guiné Equatorial, os fanáticos pelo carnaval
carioca dizem algo parecido: "Mas todas as escolas são controladas pelo
tráfico e pelo banditismo...".
O que dizer? Só chorando e jogando a toalha, ou reagindo, multiplicando a
indignação e recuperando a máxima do presidenciável Eduardo Campos em
2014: "Não vamos desistir do Brasil". Cada vez mais gente fica com esta
segunda opção.
Se a roubalheira de bilhões de reais da maior companhia brasileira e a
homenagem a uma ditadura nojenta ocorrem com a maior naturalidade, há
muitas outras coisas acontecendo em solo nacional.
No próprio carnaval, houve uma novidade muito interessante, sutilmente
alvissareira. A grande festa não ficou mais restrita às escolas de
samba, ao luxo, ao silicone e ao Sambódromo do Rio. Os foliões puseram
seus abadás e fantasias improvisadas e foram às ruas em diferentes
pontos do País para, genuinamente, pular o carnaval. Inclusive na
capital da República.
Aquela explosão popular a que a gente assiste todos os anos em Recife e
em Salvador, por exemplo, dessa vez tomou conta do próprio Rio, de São
Paulo, de Brasília, de muitas outras capitais. A sensação é de que nunca
(ou pelo menos não nas últimas décadas) o carnaval foi tão das ruas e
dos blocos.
Tem-se, assim, um País em profunda mutação, com sua imagem externa
esfarelando e a indignação interna só crescendo, as escolas de samba
chocando e as pessoas sambando na rua, a economia destrambelhada e a
política na boca do povo.
Há dez anos, a euforia do principal país emergente, dando lições de como
crescer e distribuir renda. Agora, a estupefação com a perda de
importância, com a imensidão dos escândalos, com as contas que não
fecham. A Beija-Flor da Guiné Equatorial vai de vento em popa e o Brasil
caminha de marcha ré. Mas não vamos desistir do Brasil!
Esquecimento. A África era a cereja do bolo da política externa de Lula,
mas sabe quantas vezes o chefe do Departamento de África do Itamaraty
visitou algum dos 54 países do continente no ano passado? Nenhuma! E não
foi por culpa dele.
FONTE ROTA2014
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