Clóvis Rossi FOLHA DE SÃO PAULO
O Itamaraty já não precisa ter medo de criticar o governo de Nicolás
Maduro pelo assédio truculento à oposição, do qual o mais recente
exemplo foi a prisão do prefeito metropolitano de Caracas, Antonio
Ledezma: até um "chavista" puro e duro, o cientista político Nicmer
Evans, diz que falar de golpe é uma tática para desviar a atenção do
público da "enorme desvalorização da moeda que temos que suportar",
conforme o jornal "The New York Times".
Evans não vê "prova clara" de alguma conspiração no caso Ledezma.
Trata-se de um socialista e um crítico, pela esquerda, do "madurismo", e
não de um conspirador da oligarquia.
O Itamaraty também poderia tomar nota das declarações do presidente
colombiano Juan Manuel Santos, que pediu respeito aos direitos dos
opositores e solicitou a libertação de Leopoldo López, o líder
oposicionista que antecedeu Ledezma como vítima da truculência (está
preso há um ano).
Como a Colômbia é um dos três países que formam com o Brasil e o Equador
a missão da Unasul para a crise venezuelana, se o Itamaraty insistir em
seu silêncio, corre o risco de desmoralização.
Até o moderado José Miguel Insulza, socialista chileno que é
secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, diz que a prisão
do prefeito de Caracas provocou "forte alarme pela forma como foi
levada a cabo e pelo caráter de mandatário eleito, no exercício de seu
cargo".
Como mostrou nesta segunda-feira (23) na Folha o excelente Samy
Adghirni, não é o único prefeito que o governo acossa: são 42,8% os
prefeitos oposicionistas às voltas com a Justiça, que de cega não tem
nada.
Um grupo de advogados divulgou estudo, no ano passado, para demonstrar
que, em 45 mil decisões emitidas de 2004 a 2013 pelas câmaras
constitucional, administrativa e eleitoral da Suprema
Corte, não houve uma única contrária ao governo.
É óbvio que se trata de uma demonstração definitiva de que o Judiciário
não é um poder independente, mas um mero apêndice do Executivo.
O Itamaraty sabe perfeitamente que a situação econômica da Venezuela é
de ruína, com inflação recorde no hemisfério Sul, com desabastecimento
agudo e com recessão.
O que talvez não saiba é que até as conquistas sociais inegáveis dos
primeiros anos do chavismo estão sendo corroídas pela crise.
Estudo de três universidades divulgado no fim de semana revela que só
8,4% das pessoas que vivem em pobreza extrema são beneficiárias de
alguma "missão" social ("misiones" é como o chavismo chama seus
programas assistencialistas).
Escrevem, em "El Nacional", Maolis Castro e Laura Helena Castillo: "Os
programas assistenciais, que nasceram em 2003 para atender aos setores
de menos recursos, se converteram em uma solução para comprar a preços
subsidiados desde um frango até uma casa. Mas sua oferta está longe de
ser maciça: nos últimos cinco anos, o número de atendidos baixou de 2,5
milhões a 2 milhões".
Se há golpe na Venezuela, é do governo, contra a democracia e a economia.
FONTE ROTA2014
0 comments:
Postar um comentário