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21:35
ANDRADEJRJOR
SERGIO FAUSTO O ESTADO DE SÃO PAULO
Dilma Rousseff apenas
inicia, ao passo que Cristina Kirchner está por terminar seu segundo
mandato presidencial. Apesar disso, Brasil e Argentina parecem, ambos,
viver o encerramento de um ciclo político de mais longa duração. Em que
pesem claras diferenças,há inquietantes semelhanças nos processos
políticos experimentados pelos dois países sob o lulopetismo e o
peronismo kirchnerista. A maior delas reside em que, a despeito de quase
tudo indicar o esgotamento dos respectivos projetos políticos, não se
verifica a articulação clara de alternativas à altura das melhores
aspirações de renovação das instituições políticas e da cultura
democrática nos dois países.
No Brasil, depois de quase vencer as
eleições de outubro, o PSDB mostra-se até aqui incapaz de imprimir
diretriz consistente à oposição democrática e menos ainda de estabelecer
interlocução mais ampla com os atores sociais insatisfeitos com o
status quo. Na Argentina, a oposição segue fragmentada e são grandes as
chances de vitória, nas eleições de outubro, de um candidato que apenas
atenue o pathos discricionário do kirchnerismo. Não é improvável que no
país vizinho ocorra a reconciliação pós-eleitoral da "família
peronista", com Cristina e seus próximos em posição subalterna, mas sem
ruptura com as práticas que caracterizaram seu governo e o de seu
marido.
Em ambos os países se acumularam problemas econômicos
decorrentes de erros de concepção e implementação de políticas públicas.
Eles têm magnitudes diferentes porque na Argentina o "experimento
desenvolvimentista" teve mais tempo e menores freios para seguir em
frente. O Brasil encontra-se estrutural e conjunturalmente em melhor
situação, mas não cabe ter ilusões: há pelo menos um ano a deterioração
da economia brasileira surpreende pela velocidade e a tendência por ora
não foi estancada, muito menos revertida.
Os problemas políticos,
se não produzidos, ao menos agravados sob o lulopetismo e o
kirchnerismo, são ainda maiores: personalismo da liderança, beirando o
culto à personalidade; aparelhamento do Estado para fins partidários;
entrelaçamento promíscuo de interesses políticos e empresariais.
Ao
início, o kirchnerismo exibiu feições de uma versão moderna e
progressista do peronismo. O governo de Néstor Kirchner deu resposta
eficaz às expectativas de recomposição da capacidade de governo na
esteira da crise brutal que atingiu a Argentina em 2001/2002. No plano
econômico, com Roberto Lavagnano Ministério da Fazenda, reestruturou a
impagável dívida externa do país e definiu uma política econômica apta a
controlar a inflação e retomar o crescimento, aproveitando o vento de
cauda soprado pela alta das commodities. No social, lançou programas de
transferência de renda para reduzir a pobreza então crescente, ao passo
que o mercado de trabalho começava a se beneficiar da retoma da
economia. No político, buscou alianças fora de seu grupo político e
colocou no topo da agenda o acerto de contas judicial com as violações
dos direitos humanos durante a ditadura militar.
Em 2006, porém, o
kirchnerismo sofreu uma mutação ativando genes presentes em seu DNA
peronista, até então atenuados: o "transversalismo político" dos
primeiros anos cede lugar à lógica do "nós" contra "eles"; a necessária
recomposição da capacidade de governar, esfacela-da pela crise,
transforma-se em obsessiva procura por concentrar poderes na presidência
e exercê-los de forma cada vez mais intrusiva e discricionária; com a
saída de Lavagna, a condução da economia e dos negócios do Estado passa a
submeter-se a objetivos políticos e eleitorais de curto prazo e a
subordinar-se à estratégia de perpetuação do kirchnerismo no poder, sob
Néstor ou Cristina. Cresce a manipulação de dados públicos sobre a
economia e o Estado é posto a serviço do governo e do grupo político
dominante, sob uma ideologia nacional-estatista.
Adeptos veem
nessa "mutação" uma resposta necessária a um suposto "cerco conservador"
que se armava contra o governo à medida que se revelavam a extensão e a
profundidade das mudanças "progressistas" pretendidas pelo
kirchnerismo. Além de se apoiar num "erro cronológico" - a "mutação" se
dá antes do conflito com os produtores rurais, que a mesma narrativa
assinala como o marco inaugural do suposto "cerco conservador" -, o
argumento mostra a carga genética potencialmente antidemocrática de um
certo "progressismo" em voga na América Latina.
Nos limites deste
artigo é impossível uma comparação cuidadosa do lulopetismo com o
kirchnerismo. Mas ao leitor atento não escaparão semelhanças
inquietantes, entre elas o recurso insistente ao argumento do "cerco
conservador" e seus derivados, como "o golpe da mídia", agora
desdobrado, lá e cá,no "golpe do Judiciário", para justificar o que é
injustificável sob uma ótica política progressista (sem aspas). Como
pode ser progressista uma força política cuja ação solapa as bases
institucionais e culturais de vida democrática?
Há diferenças
significativas entre as forças que dominaram a política no Brasil e na
Argentina nos últimos 12, 13 anos. Em favor do lulopetismo, reconheça-se
sua maior racionalidade e capacidade de composição. A diferença
principal, porém, não é intrínseca, é extrínseca às duas forças
políticas. Ela reside em especial na maior qualidade das instituições
brasileiras. Vamos precisar delas agora, mais que nunca, para navegar e
superar a crise em que o País se encontra.
Todavia, se nos
oferecem as regras para a solução pacífica dos conflitos, as
instituições não podem, por si mesmas, suprir a falta de uma liderança
política coletiva que defina novos caminhos. Com o governo enredado nas
mentiras da campanha eleitoral e no escândalo da Petrobrás, cabe
fundamentalmente às forças de oposição indicar e construir esses
caminhos.
FONTE AVAARANDABLOGSPOT
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