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08:15
ANDRADEJRJOR
CLÓVIS ROSSI FOLHA DE SÃO PAULO
Argentina vive período de crispação política terrível; é tudo o que o Brasil não precisa importar
Era
uma vez um tempo em que os argentinos --principalmente, mas também
outros latino-americanos-- usavam a expressão "ruídos de sabre" para
designar movimentos pré-golpistas nas Forças Armadas.
Agora que
os sabres, felizmente, foram embainhados, e Deus queira que nunca mais
saiam da quietude, os ruídos que se ouvem também são de golpe.
É o
que está ocorrendo na Argentina como efeito colateral da marcha
convocada pelos promotores para pedir o esclarecimento definitivo e
cabal da morte de seu colega Alberto Nisman.
É aquele que
denunciou a presidente Cristina Kirchner por, supostamente, ter
participado de um esquema para encobrir a participação de agentes
iranianos no atentado contra uma entidade judaica que causou 85 mortos
--o maior atentado terrorista da história latino-americana.
Para
os partidários da presidente, reunidos, por exemplo, no coletivo "Carta
Abierta", trata-se do ato de um "partido judicial em gestação, que
parece cumprir o papel desestabilizador que em outros tempos cumpriram
as Forças Armadas".
Rebate, na oposição, por exemplo, o
ex-deputado Fernando Iglesias, fundador do grupo "Democracia Global",
que, em artigo para "La Nación", diz que o "kirchnerismo combina
elementos democráticos com ditatoriais" e emenda que o caso Nisman somou
a esses elementos um outro, "característico de toda ditadura: quem
desafia o poder morre violentamente".
Não surpreende, pois, que o
jornalista Carlos Gurovich, judeu argentino que emigrou para Israel e é
produtor da TV "i24 News", compare o momento atual a um mergulho no
passado, mais exatamente nos sangrentos anos 70 --anos que os sabres
eram desembainhados com notável facilidade e ferocidade.
Como
tenho amigos nos dois lados da guerra de ruídos, é sempre desconfortável
escrever sobre a Argentina. Mas o sentido comum manda concordar com o
promotor Ricardo Sáenz quando ele diz a Mariana Carneiro, desta Folha,
que o que está havendo "é uma lógica de amigo e inimigo que não
beneficia em nada a sociedade e muito menos o Poder Judiciário". Bingo.
Essa lógica perversa é uma criação do kirchnerismo, em especial de Cristina (Néstor era mais flexível).
Como
afirma Gurovich, "Kirchner e seus acólitos não querem aceitar nenhum
outro ponto de vista ou realidade que não seja a que criaram, e qualquer
um que discorda é acusado de querer destruir o projeto deles para uma
nova Argentina".
Como já passei faz tempo da idade da inocência,
não acredito mais nem em projetos salvacionistas nem em que a oposição a
eles esteja pensando apenas no bem da pátria.
Por esse
ceticismo, me surpreende que o Brasil esteja importando essa dualidade
"amigo/inimigo", essa ideia de que há um bando disposto a salvar a
pátria contra outro que quer enterrá-la, o bem contra o mal.
Essa lógica emburrece, como se viu na recente campanha eleitoral. Lástima é que esteja persistindo mesmo depois dela.
O país já tem problemas demais para agregar a eles uma crispação política absurda.
FONTE AVARANDABLOGSPOT
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