editorial do Estadão
A formalização do esperado desligamento da senadora Marta Suplicy do PT é
mais um prego cravado na urna mortuária da reputação da legenda que há
mais de 12 anos chegou ao poder com a ambiciosa pretensão de reinventar o
País, mas acabou se rendendo à tentação de, em benefício próprio,
transformar esse poder num fim em si mesmo. Como a própria senadora
paulista afirmou em recente entrevista ao Estado, ou o PT muda ou acaba.
A reação aos termos em que Marta anunciou seu desligamento revela que o
PT prefere continuar exatamente o mesmo.
Apesar de o argumento central de Marta Suplicy ser o fato de que "os
princípios e o programa partidário do PT nunca foram tão renegados pela
própria agremiação, de forma reiterada e persistente", é óbvio que sua
decisão foi motivada também pela intenção de se candidatar à Prefeitura
de São Paulo no próximo ano e o PT pretender a reeleição de Fernando
Haddad. Não se trata de defender a ex-petista, que é perfeitamente capaz
de fazer isso sozinha. Mas não se pode deixar de lamentar que, em vez
de limitar-se a contestar as acusações e respeitar a decisão de uma
fundadora do partido, que nele militou com destaque por mais de 30 anos,
a direção do PT tenha preferido, como é de seu feitio, tratar a
ex-companheira não como adversária política, mas como inimiga pessoal:
"Apesar dos motivos enunciados, entendemos que as razões reais da saída
se devem à ambição eleitoral da senadora e a um personalismo desmedido
que não pôde mais ser satisfeito dentro de nossas fileiras".
A nota oficial do PT, assinada pelos presidentes dos diretórios
nacional, paulista e paulistano, acrescenta, no mesmo tom bilioso e
belicoso: "Ao renegar a própria história e desonrar o mandato, Marta
Suplicy desrespeita a militância que sempre a apoiou e destila ódio por
não ter sido indicada candidata à Prefeitura de São Paulo em 2012". Ora,
o PT sentar no próprio rabo e acusar alguém de "ambição eleitoral" e de
"personalismo desmedido" é tão patético quanto ignorar que sua própria
motivação como partido é, há muito tempo, exclusivamente eleitoral, e
que o líder da companheirada é o mais perfeito exemplo de "personalismo
desmedido" da política brasileira. E, se é verdade que Marta "destila
ódio", foi certamente dentro do PT que aprendeu a fazê-lo.
Assim, a afirmação do presidente nacional Rui Falcão de que recebeu "com
indignação" o comunicado do afastamento da senadora é mero jogo de
cena, pois esse é apenas mais um episódio de uma longa série de
defecções de importantes quadros e apoiadores partidários que passaram a
se tornar rotineiras a partir do primeiro mandato do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Contam essa história, entre muitos outros, o
sociólogo Francisco de Oliveira, o jurista Hélio Bicudo, a deputada e
ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina, o ex-senador e ex-ministro de
Lula Cristóvão Buarque, a ex-senadora e também ex-ministra de Lula e
Dilma Marina Silva. Além de tantos outros antigos militantes ou
apoiadores do PT que, se não romperam com o partido, passaram a assumir
uma atitude crítica às políticas do PT, como o empresário Oded Grajew, o
jornalista Ricardo Kotscho e Frei Betto.
De resto, é indesmentível a afirmação de Marta Suplicy de que "é de
conhecimento público que o Partido dos Trabalhadores tem sido
protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção que a nação
brasileira já experimentou, sendo certo que, mesmo após a condenação de
altos dirigentes, sobrevieram novos episódios a envolver a sua direção".
Marta sabe o que está falando, porque conviveu, dentro do PT, com o
escândalo do mensalão, chegando mesmo a se solidarizar com alguns dos
"altos dirigentes" que foram parar na cadeia.
Na política como na vida, porém - só o PT não acredita nisso - nunca é
tarde para rever os próprios erros e optar por novos caminhos. Marta
Suplicy presta um relevante serviço ao País ao denunciar os desmandos do
PT no poder, com a credibilidade de fundadora do partido que ocupou
postos importantes na vida pública, como a Prefeitura de São Paulo e os
Ministérios do Turismo e da Cultura. Sua ambição de disputar a sucessão
de Fernando Haddad, a quem ajudou a eleger, é legítima. E oferecerá ao
paulistano a oportunidade de julgá-la nas urnas.
extraídadoblogrota2014
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