, editorial Folha de São Paulo
Durou dois dias a disposição da presidente Dilma Rousseff (PT) para encetar uma reforma política por meio de plebiscito.
O trâmite escolhido para a medida foi criticado pelos presidentes da
Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL). Ambos defenderam um referendo, e Dilma entendeu o recado.
Em qualquer hipótese, a polêmica é vazia. Nada indica que os políticos
estejam de fato interessados em alterar de forma radical as regras de
que eles próprios se beneficiam. Mecanismos de consulta popular
fortalecem a democracia, mas, nesse caso, o debate sobre o tema surge
como obstáculo a mais no caminho das melhorias.
Mudanças pontuais, por outro lado, não perderiam em legitimidade se
conduzidas dentro do Congresso. Essa via incremental tem, aliás, a
vantagem de preservar os grandes marcos legais, garantindo certa
previsibilidade à disputa.
A experiência internacional mostra que modificações nas regras muitas
vezes trazem resultados contraproducentes. A prática brasileira ensina o
mesmo: a imposição da fidelidade partidária teve como efeito colateral a
proliferação de legendas criadas com o propósito de abrigar desertores.
Especialistas no assunto, argumentando que os malefícios potenciais
estão diretamente relacionados à amplitude da reforma, recomendam
intervenções específicas, voltadas a uma distorção por vez.
Existe razoável consenso em torno da necessidade de corrigir problemas
no pleito legislativo. As atuais regras do sistema proporcional, além de
confundir o eleitor, fomentam alianças interesseiras e alimentam siglas
que representam apenas seus dirigentes.
Duas ações deveriam ser adotadas em relação a isso. Primeiro, impedir
coligações na disputa proporcional. Hoje, o voto dado ao candidato a
deputado ou vereador de um partido pode ajudar a eleger alguém de outra
legenda.
Depois, instituir uma cláusula de desempenho, de modo que agremiações
com parcos votos pelo país teriam direito a pouquíssimo tempo para fazer
propaganda na TV e acesso limitadíssimo a recursos do Fundo Partidário,
por exemplo.
Presume-se que siglas de aluguel tenderiam a se recolher a sua
insignificância, pois não seriam assediadas por partidos competitivos
sequiosos por exposição no horário eleitoral –com o que se restringem
acordos tipo "toma lá dá cá".
Haveria mais a fazer, sem dúvida. Esta Folha há muito defende o voto
distrital misto, pelo qual o eleitor aponta um candidato que concorre
por uma determinada área e, com um segundo sufrágio, escolhe um partido.
A disputa seria menos custosa para o postulante e mais compreensível
para o eleitor, que saberia em quem votou.
Em termos ideais, também deveria ser corrigida a distorção entre as
bancadas estaduais na Câmara dos Deputados (para ser correta, a
representação dos Estados mais populosos teria de ser maior) e adotado o
voto facultativo.
De nada adianta, porém, pretender implementar todas as medidas de uma só
vez. Tentar mudar tudo talvez seja o melhor meio de assegurar que nada
mude –e os políticos sabem disso muito bem.
fonte rota2014
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