por Ferreira Gullar FOLHA DE SÃO PAULO
Ninguém que leve a sério a democracia dirá que o governo da Venezuela é
democrático. Não por causa do incidente recente com os senadores
brasileiros; não, isso vem de longa data, pois quem o instalou foi o
falecido Hugo Chávez, inventor dessa figura patética chamada Nicolás
Maduro.
Chávez, no começo de sua aventura política, já mostrara quem era ao
tentar chegar ao poder por meio de um golpe militar. Deu-se mal e mudou
de tática: passou a explorar o antiamericanismo, inventou o tal
socialismo bolivariano e prometeu ao povão tudo o que lhe faltava. No
poder, tratou de desmontar a estrutura legal do Estado venezuelano e pôs
nos lugares-chaves –Forças Armadas, Judiciário e Legislativo– gente
sua. Já no final, pouco antes de adoecer gravemente, conseguiu que o
Congresso aprovasse sua reeleição sem limites.
Enfim, desejava perpetuar-se no poder até morrer. Por ironia do destino, o conseguiu.
Hugo Chávez era, sem dúvida, um líder político, coisa que Maduro não é;
ainda assim, após a morte de Chávez, elegeu-se presidente da Venezuela e
logo mostrou quem era: passou a dizer que conversa com Chávez tendo
como intermediário um passarinho e, pouco depois, criou o
vice-ministério para a "Suprema Felicidade do Povo". E como ainda assim
sua popularidade vem caindo, inventou que os Estados Unidos estão se
preparando para invadir a Venezuela e derrubá-lo.
Diante de uma tal ameaça, pôs as Forças Armadas em prontidão. Parece piada, mas é a mais pura verdade.
Outra providência que toma frequentemente é mandar prender seus
adversários políticos, sob qualquer pretexto, como, por exemplo, pregar a
violência nas manifestações políticas. Como tem a Justiça nas mãos,
decide e logo o adversário entra em cana. Pois bem, foram as mulheres
desses presos políticos que vieram ao Brasil pedir, em nome dos
princípios democráticos, a solidariedade dos políticos brasileiros a
seus maridos, presos arbitrariamente. Um grupo de senadores da oposição
decidiu ir a Caracas se solidarizar com os presos políticos venezuelanos
e também sugerir ao presidente Maduro que marque a data das eleições
para o Congresso, o que ele está adiando faz vários meses. Sabem por
quê? Porque as pesquisas indicam que apenas cerca de 20% dos eleitores
apoiam o seu governo.
Os senadores brasileiros seriam levados por um avião da Força Aérea
Brasileira, mas, para isso, seria necessária a permissão do governo
venezuelano, que não veio. Como o presidente do Senado considerou aquilo
um desrespeito ao Congresso brasileiro, Maduro recuou e permitiu a ida
do avião. Pensei cá comigo: o que ele vai aprontar agora? Sim, porque a
última coisa que Maduro desejaria era a presença de senadores
brasileiros na penitenciária onde estão presos os seus adversários
políticos.
Ao chegar ao aeroporto de Caracas, o avião da FAB não recebia permissão
para pousar. Afinal, a permissão foi dada. Durante o desembarque, mais
complicações e dificuldades. Finalmente, com a presença do embaixador
brasileiro, os senadores puderam deixar o aeroporto num micro-ônibus
rumo à prisão onde estão presos os adversários políticos de Maduro. Um
detalhe: o embaixador brasileiro não foi no mesmo carro, mas num outro,
como se já soubesse, ou antevisse, o que iria ocorrer. E ocorreu: um
grupo furioso de simpatizantes de Chávez e Maduro cercou o carro que
levava os senadores, gritando e esmurrando os vidros do automóvel,
impedindo-o de seguir adiante. Logo, os senadores souberam que as vias
que conduzem à penitenciária estavam bloqueadas, por várias razões,
sendo uma delas "para limpeza dos túneis". Claro, tudo mera
coincidência, cujo resultado foi impedir a missão dos senadores
brasileiros.
Diante de tamanha afronta a representantes do poder Legislativo
brasileiro, que faz o governo da presidente Dilma? O Itamaraty emitiu
uma nota considerando lamentável a ação dos manifestantes contra nosso
senadores. Da chefe do governo, nenhuma palavra, como era de se esperar,
uma vez que, na sua última viagem à Europa, perguntada o que achava das
arbitrariedades do governo Maduro, respondeu: "Muita gente gostaria que
virássemos as costas para a Venezuela, como foi feito com Cuba".
Não é preciso dizer mais nada.
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