por Eliane Cantanhêde O Estado de São Paulo
Ao reduzir o superávit fiscal para 0,15% do PIB e anunciar cortes de R$
8,6 bilhões no já tão retalhado Orçamento, o governo da presidente Dilma
Rousseff simplesmente jogou a toalha. Foi o reconhecimento cristalino
de que Dilma, Joaquim Levy e Nelson Barbosa não conseguem ajustar as
contas, muito menos estancar a crise.
Por mais que a presidente diga que 2015 é um ano de “travessia”, a dura
realidade é que este é um ano de recuos e de trancos para a correção, ou
tentativa de correção, de todos os erros crassos cometidos no primeiro
mandato, pautado por uma visão embaçada e antiga sobre o que é
nacionalismo e desenvolvimento.
O resultado é recessão, quando as empresas produzem menos, o comércio
vende menos, os serviços operam menos e todos pagam menos impostos. E o
governo, que gastou muito, continua gastando muito. Como em qualquer
lar, se você gastou mais do que devia, endividou-se e não ganha o
suficiente para arcar com a despesa... dá nisso. O governo não fecha as
contas, não consegue mais economizar para amortizar suas dívidas, é
obrigado a rever a meta fiscal e a “cortar na carne”, como repetiu Levy
na entrevista do anúncio.
Se já cortara R$ 70 bilhões no Orçamento, uma das grandes dificuldades
agora é definir onde ainda há o que cortar. Gordura não há mais, enxugar
o número de ministérios é fora de cogitação e o que sobra é uma escolha
de Sofia. Educação ou Saúde? Defesa ou Desenvolvimento? Relações
Exteriores ou Agricultura? Aparentemente, poucos passarão ilesos, tanto
que o governo quer maior flexibilização para mexer até nos gastos,
digamos, imexíveis.
E aí entra a questão mais delicada. Dilma, Levy e Barbosa,
aparentemente, esqueceram de um detalhe no anúncio da mudança da meta
fiscal e dos cortes: combinar com os adversários. Essas são medidas que o
governo anuncia e o Congresso vota. E vai votar num clima político e
econômico péssimo, com a Lava Jato correndo solta e o presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, voltando do recesso de tacape em punho.
Enquanto a oposição aponta o dedo para culpar Dilma por mais esse
jeitinho para fechar as contas públicas sem fechá-las, o governo reage
lembrando a parcela bem razoável de responsabilidade do Congresso e da
oposição nesse latifúndio de culpas. Os dois lados estão cobertos de
razão: Dilma criou o problema, o Congresso dificultou a solução.
A crise começou com o desconhecimento, a ideologia antiquada e a empáfia
de Dilma, mas deputados e senadores complicaram ao máximo as votações
do ajuste fiscal e foram reduzindo, uma a uma, as previsões de receitas
com as mexidas previdenciários e trabalhistas e simplesmente não votaram
nem a redução da desoneração fiscal das empresas nem o repatriamento de
recursos do exterior. Ou seja: a arrecadação continuou caindo, mas a
receita não aumentou tanto quanto nos planos de Levy. E tome crise!
Dilma empurrou o conteúdo econômico para Levy e Barbosa e o conteúdo
político para o vice Michel Temer, enquanto trata de cuidar da própria
forma. Não apenas da forma física, com o regime da moda e as pedaladas,
mas também da forma de se comunicar com uma opinião pública que lhe é
hostil. Assim, ela foi aos EUA, à Rússia e à Itália, sediou reunião do
Mercosul em Brasília, tem ao menos uma viagem por semana aos Estados,
concede uma entrevista daqui outra dali. Mas não há marqueteiro que dê
jeito em crises, não há propaganda que encha barriga, nem mandioca que
gere emprego.
O primeiro semestre foi um desastre? Pois o segundo não será melhor.
Como diz o ditado, nunca está tão ruim que não possa piorar.
Recordar é viver. Os
bombeiros estão em ação, mas não custa lembrar que, em entrevista ao
Estado em 10 de março, sua primeira exclusiva sobre a crise, o
ex-presidente Fernando Henrique disse com todas as letras (acentuadas
pela mágoa) que não faria acordos nem tinha nada a tratar com seu
sucessor Lula: “Ele quer é acusar. Ele é o bom, nós somos os maus.
Então, não há como dialogar com quem não quer dialogar”.
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