por Gil Castello Branco O GLOBO
Faltam creches, escolas, professores, ensino profissionalizante, emprego e famílias estruturadas
O ex-presidente americano Ronald Regan dizia: “O governo é como um bebê:
um canal alimentar com enorme apetite numa ponta e nenhum senso de
responsabilidade na outra".
O Brasil não foge à regra: carga tributária de 36% do PIB — entre as
mais altas do mundo — enquanto os cidadãos pagam colégios e hospitais
particulares, pedágios, cercas elétricas etc.
Na segurança pública, o tema do momento é a redução da maioridade penal.
Os políticos retomaram o assunto após o assassinato de um médico no Rio
de Janeiro e do estupro coletivo de uma jovem no Piauí, “infrações”
recentes cometidas por jovens de 16 e 17 anos, respectivamente. Até
então, adormeciam na Câmara e no Senado cerca de 30 projetos de lei que
alteram o Estatuto da Criança e do Adolescente para endurecer as medidas
socioeducativas e 36 propostas de emenda à Constituição para reduzir a
maioridade penal.
O cerne do debate não é a consciência do jovem aos 16 ou 17 anos, mas o
fato de os presídios serem verdadeiras escolas do crime, como disse o
ministro da Justiça, sem observar que ele próprio é o diretor desse
conjunto de “escolas”, há mais de quatro anos. A opinião de Cardoso deve
ser levada em consideração, pois o Departamento Penitenciário é
diretamente subordinado ao ministro da Justiça. As barbáries, porém,
ocorrem tanto nos presídios como, por exemplo, no Centro Educacional
Masculino, em Teresina, onde Gleisom da Silva, o primeiro detido pelo
estupro coletivo, foi morto pelos outros três adolescentes que
denunciou. Urgem, portanto, reformas tanto nas “escolas do crime" como
nos “jardins de infância dos criminosos".
A solução, mesmo que emergencial, não pode se resumir a trancafiar
delinquentes sub 18 nas masmorras, sejam para adultos ou menores. Os
parlamentares, prestes a aprovar a PEC que reduz de 18 para 16 anos a
maioridade penal e o projeto de lei que aumenta para até dez anos a
detenção nos Centros de Internação, devem, no contexto, apurar as razões
do fracasso histórico de um conjunto de políticas públicas.
É indiscutível a importância do atendimento à primeira infância (0 a 5
anos) para a formação do caráter do cidadão e o papel fundamental das
creches. Para suprir o déficit crônico de vagas é necessária a
construção de 1.500 creches por ano, durante dez anos. O PAC 2 previa a
construção de 5.572 creches e pré-escolas. No entanto, até outubro do
ano passado, apenas 786 estavam concluídas e nenhuma em operação. Dilma
reiterou a promessa em 2013 no programa de rádio "Café com a
presidenta", segunda-feira, primeiro de abril. Não dava mesmo para
acreditar...
O relatório do movimento Todos pela Educação, divulgado no início deste
mês, aponta que 2,9 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos
estão fora da Educação Básica. Desde 2009, emenda constitucional
ampliou a matrícula obrigatória para crianças de 4 e 5 anos e jovens de
16 e 17 anos, estabelecendo o cumprimento até 2016. Será possível?
As unidades do sistema socioeducativo estão lotadas em 17 estados,
conforme dados do Conselho Nacional do Ministério Público. Mas a
construção, reforma e ampliação das unidades de atendimento
especializado a crianças e adolescentes não saem do papel. De 2012 a
2015 estavam previstos R$ 410 milhões para essas finalidades, mas, até
junho, só 20% foram realizados. Neste ano, de R$ 172 milhões previstos,
nenhum centavo foi pago!
Nos presídios, a situação é a mesma. O Fundo Penitenciário (Funpen) foi
criado em 1994, tendo como fontes principais de recursos 3% das loterias
e 50% das custas processuais recolhidas em favor da União. Assim, o
dinheiro entra, é contabilizado no Fundo, mas pouco é utilizado nos
estabelecimentos penais e na formação educacional do preso. O caos no
sistema ocorre com R$ 2,3 bilhões de “disponibilidades contábeis” no
Funpen.
Com a falência do Estado, internar ou prender são medidas emergenciais
para permitir ao cidadão andar de bicicleta sem ser esfaqueado ou ir ao
Maracanã e retornar para casa com o relógio, o tênis e a vida. Mas há
muito por fazer, a começar por não contingenciar recursos para os
programas de atenção à criança e aos jovens. O superávit primário pode
ser formado com as reduções dos 39 ministérios e quase 100 mil cargos,
funções e gratificações, sem falar nas leis que triplicaram o Fundo
Partidário ou irão permitir a criação de até 200 novos municípios, entre
outros absurdos.
Enfim, faltam creches, escolas, professores, ensino profissionalizante,
emprego e famílias estruturadas. O governo-bebê precisa rapidamente
amadurecer e adquirir responsabilidade.
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas
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