editorial do Estadão
Consertar o avião em voo já é difícil, mas tudo estaria bem melhor, para
o governo, se esse fosse o desafio. O quadro é muito mais complicado.
No meio de uma recessão e de muita insegurança para empresários e
consumidores, a equipe econômica tenta fazer o reparo enquanto o avião
perde altitude rapidamente, como indicam os últimos dados da arrecadação
federal. A receita de junho, de R$ 97,09 bilhões, foi 2,44% menor que a
de um ano antes, descontada a inflação. Foi o pior desempenho para o
mês desde 2010, último ano de crescimento econômico superior a 3,9%. O
valor coletado no primeiro semestre deste ano (R$ 607,21 bilhões) ficou
2,87% abaixo do contabilizado entre janeiro e junho de 2014. Sem sinal
de melhora econômica nos próximos meses, a meta fiscal ainda mantida
pelo Executivo federal, um superávit primário de R$ 66,3 bilhões, parece
cada vez mais duvidosa.
As contas do governo central e o desempenho do setor público em todos os
níveis devem ser conhecidos antes do fim do mês. Nada permite esperar
resultados muito melhores que os dos últimos meses. O senador Romero
Jucá (PMDB-RR) propôs, em recente projeto de lei, reduzir a meta fiscal
consolidada para 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), algo próximo de R$
22 bilhões. Mas o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ainda exibe a
disposição de buscar o objetivo fixado no começo do ano.
As projeções de arrecadação para 2015 já foram amplamente rebaixadas
pelos técnicos da Receita Federal. As condições da economia pioraram
consideravelmente desde o meio do ano passado e os impostos e
contribuições coletados pelo governo têm ficado bem abaixo das
estimativas. O baixo nível de atividade explica diretamente parte desse
resultado, mas, segundo o pessoal da Receita, é preciso levar em conta
outros fatores.
Os incentivos fiscais concedidos nos últimos anos foram parcialmente
anulados, mas os benefícios ainda em vigor continuam prejudicando a
arrecadação. Além disso, empresários têm abandonado os procedimentos
habituais para recolher menos tributos. Tradicionalmente, a maior parte
das grandes empresas prefere recolher o Imposto de Renda (IRPJ) e a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) com base em estimativa
mensal. Mas podem mudar sua política e adotar o recolhimento com base no
resultado efetivo e nas expectativas, deixando a maior parte dos
pagamentos para a declaração final de ajuste.
Essa explicação aparece em nota divulgada na quarta-feira passada,
juntamente com o resultado de junho, pela Receita Federal. Na mesma nota
os técnicos mostram a piora da arrecadação e das projeções, desde as
estimativas iniciais formuladas para 2014 e 2015. A receita administrada
ficou em R$ 739 bilhões em 2014, R$ 12,5 bilhões abaixo da estimativa
ajustada ao ciclo econômico. A nova projeção para 2015, também com base
no ciclo, indica uma arrecadação de R$ 810 bilhões, bem abaixo da
estimada em maio, quando foi anunciado o primeiro ajuste no orçamento do
ano. Só aí há uma diferença de R$ 39 bilhões, mas, nesta altura, até os
R$ 810 bilhões são considerados um resultado improvável.
Além dos problemas técnicos, isto é, das dificuldades criadas pela
contração dos negócios e do emprego e pelas estratégias defensivas dos
contribuintes, a equipe econômica é forçada a enfrentar obstáculos
políticos importantes. Mas nem só o resultado fiscal de 2015 é nesta
altura muito incerto. Também as possibilidades de recuperação da
economia em 2016 parecem, agora, muito limitadas. Os técnicos da Receita
calculam para este ano uma contração de 1,5% para o PIB, alinhando-se,
portanto, aos especialistas do mercado financeiro e do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Para 2016, os técnicos do Fundo projetam um
crescimento de 0,7%, muito modesto, mas até essa previsão já parece
pouco segura.
Mesmo com um crescimento pouco superior à taxa de 0,7%, dificilmente a
arrecadação permitirá alcançar a meta fiscal ainda em vigor para 2016,
um superávit primário de 2% para o pagamento de juros. Mesmo para um
governo politicamente muito mais forte que o atual seria um alvo muito
ambicioso.
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