Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 24 de julho de 2015

"Volta à caixa-preta",

editorial do Estadão

Em entrevista ao site Consultor Jurídico, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou a atuação cada vez mais corporativista do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual foi presidente entre 2008 e 2010. Segundo ele, em vez de planejar o Poder Judiciário, que é sua principal atribuição, o órgão estaria cuidando apenas das questões salariais e benefícios funcionais da magistratura.
“Há uma falta de aproveitamento do potencial institucional de que o CNJ dispõe, em matéria de planejamento e construção de metas. Até recentemente, o órgão não se envolvia em questões salariais. Ele passou a emitir resoluções para equiparações salariais e até sobre auxílio moradia. São decisões que não honram a tradição do CNJ”, afirmou Mendes, lembrando que o problema começou na gestão do ministro Cezar Peluso, entre 2010 e 2012, e avançou na gestão do ministro Ricardo Lewandowski.
A entrevista de Mendes foi publicada no mesmo dia em que a imprensa divulgou que a Corregedoria do CNJ desativou o programa Justiça Aberta - um banco de dados que permitia o monitoramento dos trabalhos da magistratura. Com isso, juízes de todas as instâncias da Justiça Estadual, Federal e do Trabalho não precisam mais enviar ao CNJ informações mensais sobre sua produtividade. Agora, dados sobre o número de processos julgados e dos que aguardam julgamento não estarão mais à disposição dos cidadãos. Segundo a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, o CNJ adotará um modelo mais sofisticado de coleta de dados, mas aberto apenas a funcionários qualificados dos tribunais.
Além da desativação do Justiça Aberta, o que impedirá a sociedade de avaliar a qualidade da gestão dos tribunais, o CNJ até hoje não regulamentou a Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor em 2012. Pela lei, o órgão é o responsável pela análise dos pedidos de informação negados pelos tribunais. Sem regulamentação, os recursos não podem ser avaliados, o que converte o Poder Judiciário numa imensa caixa-preta. “O CNJ criou uma comissão para fazer a regulamentação, mas ela não avança por falta de prioridade”, afirma Neide de Sordi, ex-diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias do órgão.
Há alguns meses, o ministro Ricardo Lewandowski - que também preside o STF - já havia tomado outra iniciativa corporativa, propondo mudanças na condução de processos disciplinares abertos pelo CNJ para investigar magistrados acusados de corrupção, improbidade administrativa e crimes de responsabilidade. Pela proposta, que ainda não foi implementada, os juízes somente podem ser interrogados em processo disciplinar por colegas de instância igual ou superior. A medida tem por objetivo impedir os conselheiros oriundos da advocacia e do Ministério Público de participar dos interrogatórios e de afastá-los das investigações, o que colide com os princípios que levaram à criação do CNJ.
O crescente corporativismo do órgão que deveria promover o controle administrativo do Judiciário estimulou os tribunais superiores a agir da mesma forma. Há algumas semanas, o Conselho da Justiça Federal (CJF) baixou resolução concedendo bônus para os juízes federais que acumulam processos em seus gabinetes. Trata-se de um contrassenso, pois a medida - justificada como um prêmio aos juízes com excesso de trabalho - na prática beneficiará juízes improdutivos. O CJF também alargou os critérios para concessão de gratificação por acúmulo de função. Criada no começo do ano para casos excepcionais, essa gratificação foi banalizada, permitindo que os juízes federais passem a ganhar o mesmo que os ministros do STF. O ganho é tão expressivo que o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região implantou um rodízio, a fim de que todos os magistrados da Corte possam receber essas gratificações. Mensalmente, a Corte envia, por 15 dias, juízes para varas diferentes daquelas em que estão lotados.
Essas formas oblíquas de inflar salários e multiplicar vantagens funcionais infelizmente tendem a crescer à medida que o CNJ for sendo desfigurado por razões corporativas, permitindo com isso que a falta de transparência volte a prevalecer no Judiciário.
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