editorial do Estadão
Em entrevista ao site Consultor Jurídico, o ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), criticou a atuação cada vez mais
corporativista do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual foi
presidente entre 2008 e 2010. Segundo ele, em vez de planejar o Poder
Judiciário, que é sua principal atribuição, o órgão estaria cuidando
apenas das questões salariais e benefícios funcionais da magistratura.
“Há uma falta de aproveitamento do potencial institucional de que o CNJ
dispõe, em matéria de planejamento e construção de metas. Até
recentemente, o órgão não se envolvia em questões salariais. Ele passou a
emitir resoluções para equiparações salariais e até sobre auxílio
moradia. São decisões que não honram a tradição do CNJ”, afirmou Mendes,
lembrando que o problema começou na gestão do ministro Cezar Peluso,
entre 2010 e 2012, e avançou na gestão do ministro Ricardo Lewandowski.
A entrevista de Mendes foi publicada no mesmo dia em que a imprensa
divulgou que a Corregedoria do CNJ desativou o programa Justiça Aberta -
um banco de dados que permitia o monitoramento dos trabalhos da
magistratura. Com isso, juízes de todas as instâncias da Justiça
Estadual, Federal e do Trabalho não precisam mais enviar ao CNJ
informações mensais sobre sua produtividade. Agora, dados sobre o número
de processos julgados e dos que aguardam julgamento não estarão mais à
disposição dos cidadãos. Segundo a corregedora nacional de Justiça,
ministra Nancy Andrighi, o CNJ adotará um modelo mais sofisticado de
coleta de dados, mas aberto apenas a funcionários qualificados dos
tribunais.
Além da desativação do Justiça Aberta, o que impedirá a sociedade de
avaliar a qualidade da gestão dos tribunais, o CNJ até hoje não
regulamentou a Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor em 2012.
Pela lei, o órgão é o responsável pela análise dos pedidos de informação
negados pelos tribunais. Sem regulamentação, os recursos não podem ser
avaliados, o que converte o Poder Judiciário numa imensa caixa-preta. “O
CNJ criou uma comissão para fazer a regulamentação, mas ela não avança
por falta de prioridade”, afirma Neide de Sordi, ex-diretora do
Departamento de Pesquisas Judiciárias do órgão.
Há alguns meses, o ministro Ricardo Lewandowski - que também preside o
STF - já havia tomado outra iniciativa corporativa, propondo mudanças na
condução de processos disciplinares abertos pelo CNJ para investigar
magistrados acusados de corrupção, improbidade administrativa e crimes
de responsabilidade. Pela proposta, que ainda não foi implementada, os
juízes somente podem ser interrogados em processo disciplinar por
colegas de instância igual ou superior. A medida tem por objetivo
impedir os conselheiros oriundos da advocacia e do Ministério Público de
participar dos interrogatórios e de afastá-los das investigações, o que
colide com os princípios que levaram à criação do CNJ.
O crescente corporativismo do órgão que deveria promover o controle
administrativo do Judiciário estimulou os tribunais superiores a agir da
mesma forma. Há algumas semanas, o Conselho da Justiça Federal (CJF)
baixou resolução concedendo bônus para os juízes federais que acumulam
processos em seus gabinetes. Trata-se de um contrassenso, pois a medida -
justificada como um prêmio aos juízes com excesso de trabalho - na
prática beneficiará juízes improdutivos. O CJF também alargou os
critérios para concessão de gratificação por acúmulo de função. Criada
no começo do ano para casos excepcionais, essa gratificação foi
banalizada, permitindo que os juízes federais passem a ganhar o mesmo
que os ministros do STF. O ganho é tão expressivo que o Tribunal
Regional Federal da 2.ª Região implantou um rodízio, a fim de que todos
os magistrados da Corte possam receber essas gratificações. Mensalmente,
a Corte envia, por 15 dias, juízes para varas diferentes daquelas em
que estão lotados.
Essas formas oblíquas de inflar salários e multiplicar vantagens
funcionais infelizmente tendem a crescer à medida que o CNJ for sendo
desfigurado por razões corporativas, permitindo com isso que a falta de
transparência volte a prevalecer no Judiciário.
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