Opinião J. R. Guzzo: Publicado na edição impressa de VEJA
Por que este título – “Depois de Dilma”? Levando-se em conta que a presidente da República só vai terminar seu atual contrato de trabalho no dia 31 de dezembro de 2018, parece muito cedo para ficar falando em “depois”. Antes disso será preciso viver o “durante”, período de tempo que pelo calendário eleitoral ainda vai levar três anos e meio até acabar – coisa bem demorada, sem dúvida, e que em condições mais ou menos normais já deveria ser preocupação suficiente para todos. Mas as condições, hoje, não são mais ou menos normais.
O governo Dilma, após esforçar-se durante anos a fio para errar em praticamente tudo, derreteu ─ e tanto o mundo político como a maioria dos brasileiros que têm algum interesse em acompanhar a vida pública passaram a pensar no que virá depois dela, convencidos de que o prazo de validade de Dilma Rousseff venceu. Até algum tempo atrás, apesar de todos os sinais de autodesmanche fabricados por um governo que vem se dedicando a criar uma calamidade por dia, para si mesmo e para a população em geral, parecia um exagero perguntar se Dilma iria chegar ao fim do seu segundo mandato. Não é mais; ao contrário, é a grande atração do dia. Se o presente já não existe, parecem pensar quase todos, só resta brigar pelo futuro.
Este texto, como regularmente se registra aqui quando são tratados fatos que ainda não aconteceram, é apenas um artigo de revista; não é um mapa astral. Mas o que deveria ser um assunto para o fim de 2017 ou o começo de 2018 virou a conversa do dia em julho de 2015 – e as questões do curto prazo, como se sabe, sempre acabam sendo as mais interessantes para nove entre dez homens e mulheres sapiens, como diria a presidente da República. É possível, dentro da teoria geral de que nada é impossível, que o pós-Dilma comece quando deveria começar, em janeiro de 2019. O problema é que bem pouca gente, e cada vez menos gente, está acreditando nisso no momento.
Nada demonstra tão bem a situação precária do Palácio do Planalto quanto o atual vai e vem dos chefes reais das máquinas políticas, que podem não ser formadores de opinião, mas certamente são formadores de fatos. Eles se reúnem praticamente todos os dias para discutir como Dilma deve ser processada, embalada e descartada; parecem ter perdido a fé nas possibilidades de recuperação da presidente. O PT, os outros partidos de “esquerda” e os “movimentos sociais”, que hoje dependem da engrenagem oficial para tudo, já deixaram há tempo de se empenhar de corpo e alma em sua defesa. Pregam sem parar contra o impeachment, mas é só isso que fazem.
Estão de pleno desacordo quanto a todo o resto, a começar pelo mais importante: como, no fim das contas, o governo deve governar. O programa econômico do ministro da Fazenda, para ficar só no exemplo principal, deve ser mantido ou seria melhor trocar ambos, programa e ministro, por alguma coisa diferente e oposta? Não há até agora nenhuma resposta coerente. O ex-presidente Lula, o líder que mais poderia socorrer Dilma no momento, também não tem sido de grande valia ─ quer ficar a favor e contra o governo ao mesmo tempo. Sua última contribuição foi sugerir que a sucessora encoste a cabeça no “ombro do povo”. Pode ser bonito, mas não é muito útil – como, na prática, alguém consegue encostar a cabeça no ombro do povo, ainda mais numa hora destas?
É preciso considerar, além disso, que existe uma oposição; por mais gentil que ela seja, não é dali que Dilma deve esperar ajuda, mesmo porque é mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que o governo estender a mão aos adversários em busca de um entendimento. Resta o PMDB, que normalmente é amansado com empregos na máquina pública. Mas Dilma, até agora, não conseguiu fazer nem isso ─ e, mesmo que venha a fazer, o antigo aliado, a esta altura, pode imaginar que terá muito mais empregos depois de Dilma, caso acabe se dando bem com um novo governo, como costuma acontecer. Dilma parece envolvida numa dessas lutas de boxe amador em que um lado não sabe nada de boxe e o outro não tem nada de amador; sabe-se como costumam acabar.
Em Gita, a mais potente de todas as suas canções, Raul Seixas descreve a si próprio, e a cada um de nós, como “a vela que acende” e, ao mesmo tempo, “a luz que se apaga”. A vela de Dilma, ao longo dos seus anos de vida pública, nunca pareceu acesa. Hoje, a três anos e meio do momento em que deve deixar o Palácio do Planalto para concluir sua passagem pela história atual do Brasil, ela tornou-se apenas uma luz apagada.
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