por Ferreira Gullar Folha de São Paulo
É curioso que ninguém se tenha dado conta disso, a começar pelo próprio
Marx, homem culto e de rara inteligência. Talvez a razão de tal equívoco
tenha sido o caráter selvagem do capitalismo do século 19, que
explorava os trabalhadores sem qualquer escrúpulo.
Marx via os capitalistas, portanto, como cruéis exploradores que não
mereciam participar da sociedade igualitária do futuro, a qual, segundo
ele, seria governada pela ditadura do proletariado. O que, aliás, nunca
aconteceu nem podia acontecer, uma vez que, a começar por ele, quase
todos os líderes revolucionários de esquerda eram de classe média.
Chego a pensar que tampouco a classe operária sonhada por Marx era
revolucionária. O operário não só não tinha conhecimento dos problemas
da sociedade como temia perder o emprego, uma vez que não lhe restaria
outro meio de sobrevivência.
Ele era pobre, o irmão era pobre, o pai era pobre. Já o cara de classe
média, se perdia o emprego, tinha o pai para socorrê-lo ou algum outro
parente. Por isso o operário pensava duas vezes antes de se meter em
encrenca.
Tanto isso é verdade que, em nenhum país desenvolvido, a revolução
operária aconteceu. Nos Estados Unidos, que possuíam a maior classe
operária do planeta, o partido comunista nunca teve qualquer
importância.
A verdade é que, se sem o trabalhador não há produção, sem o empresário
também não há. Neste momento, aqui mesmo no Brasil, há milhões de
pessoas inventando agora pequenas empresas, médias empresas, grandes
empresas, que vão promover o crescimento econômico do país, gerar
empregos e riqueza.
Mas não é o empresário que, sozinho, vai pôr sua empresa para funcionar;
precisa do trabalhador. O problema é que a riqueza produzida assim é
mal dividida: o patrão fica com a parte do leão. Daí a desigualdade que
caracteriza a sociedade capitalista e que, se já não é a mesma que no
século 21, tampouco conseguiu eliminar a pobreza, mesmo em países
desenvolvidos.
Está errado, mas também não estaria certo todo mundo ganhar a mesma
coisa, uma vez que as pessoas têm capacidades diferentes. Nem todo mundo
é Bill Gates ou Pelé ou Picasso. Tampouco tem sentido alguém ganhar
milhões de dólares por hora enquanto outros mal ganham para sobreviver.
A conclusão a tirar de tudo isso, conforme penso, é que, se o regime
capitalista tem a virtude de produzir riqueza, é uma riqueza
desigualmente dividida. A conclusão inevitável é que devemos batalhar
por uma divisão menos injusta possível.
Inteiramente justa, jamais o conseguiremos, porque, como se viu, a
própria natureza é injusta, cria pessoas com capacidades desiguais. A
justiça é, portanto, uma invenção humana e, por isso mesmo, depende das
pessoas e das instituições para acontecer de fato.
Mas não é assim que pensam certos políticos que decidiram pôr, no lugar
do marxismo extinto, um populismo dito de esquerda, que se vale da
referida desigualdade social para ganhar o apoio dos mais pobres para
chegar ao poder e pôr em prática programas assistencialistas, que não
resolvem os problemas; pelo contrário, os agravam, como ocorre hoje na
Venezuela, na Argentina e no Brasil.
Não há exagero, portanto, em apontar o caráter demagógico do populismo que, chegado ao governo, faz o contrário do que prometeu.
É possível até que, em alguns casos, acreditem, na sua visão equivocada,
que têm a solução dos problemas, mas, na hora de enfrentá-los, veem
que, nesse campo, milagres não acontecem. O resultado é o desastre, de
que é exemplo o governo Dilma no Brasil.
Mas esse populismo está sendo desmistificado pela realidade dos fatos,
como ocorreu agora mesmo na Grécia, onde o premiê Alexis Tsipras teve
que fazer exatamente o contrário do que prometeu para chegar ao poder:
submeteu-se às imposições dos credores.
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