por Rolf Kuntz O ESTADO DE SÃO PAULO
Para baixo da linha do volume morto, novo endereço político da
presidente Dilma Rousseff e de seu criador Luiz Inácio Lula da Silva,
foi arrastada a mais importante promessa do atual governo – arrumar as
contas públicas e recompor as bases do crescimento econômico. Foram mais
que perdidos os primeiros sete meses do segundo mandato da presidente.
Depois de anunciar a nova meta fiscal, um superávit primário pouco acima
de zero e facilmente conversível em resultado negativo, a equipe
econômica tem como primeiro desafio recompor sua credibilidade.
A imagem mais atingida foi a do ministro da Fazenda, Joaquim Levy,
derrotado no debate sobre a revisão do ajuste. Ele continua como
avalista da política econômica, disse na quinta-feira à Agência Estado um
auxiliar da presidente. Mas o avalista, nesse caso, só pode cumprir sua
função se for avalizado como conselheiro pela presidente da República.
Ocorreu o contrário. Na hora de uma decisão de enorme importância, ela
deu maior peso à opinião dos defensores da política mais frouxa,
praticamente sem meta para este ano e com metas reduzidas para os dois
anos seguintes. A de 2016 caiu de 2% para 0,7% do produto interno bruto
(PIB). A de 2017, para 1,3%.
O ministro da Fazenda tentou no dia seguinte consertar o estrago
político. O esforço de ajuste, prometeu, será mantido “com muito vigor”.
O objetivo do governo, acrescentou, é diminuir a incerteza em relação à
economia e abrir caminho para o retorno ao crescimento. Mas o efeito
imediato foi o oposto. A reação dos mercados foi muito ruim, o dólar
voltou aos níveis mais altos do ano, perto de R$ 3,30, e todas as
dúvidas foram reforçadas.
Os analistas, segundo o ministro, já esperavam uma revisão da meta e o
governo foi realista ao anunciar os novos números. Essa descrição é
correta só em parte. Analistas de fato esperavam e até defendiam a
escolha de um objetivo menos ambicioso. O senador Romero Jucá (PMDB-RR),
depois de conversas com a equipe econômica, anunciou um projeto de
redução do alvo para 0,4% do PIB, algo próximo de R$ 22 bilhões. Mas o
governo foi muito além disso e praticamente anulou qualquer promessa de
separar neste ano algum dinheiro – o superávit primário – para o
pagamento de juros. A nova meta, R$ 8,6 bilhões, poderá ser substituída
por um déficit de até R$ 17,8 bilhões, se falharem receitas de até R$
26,4 bilhões – dependentes do pagamento de impostos atrasados, da
taxação de recursos mantidos irregularmente no exterior e de ingressos
obtidos com leilões de infraestrutura.
Para tocar esse plano o governo terá de conseguir a aprovação do
Congresso. Mas a votação favorável em nada mudará um detalhe muito
importante. Para alcançar o novo objetivo, ou qualquer resultado maior
que zero, o Executivo dependerá de receitas extraordinárias. São
receitas muito duvidosas, mas também esse detalhe é irrelevante para a
avaliação da política. Há uma enorme diferença entre um programa de
ajuste digno desse nome e uma caça a recursos de emergência, de qualquer
tipo, só para fechar as contas.
Esse expediente foi muito usado no Ministério da Fazenda, no mandato
anterior. Enquanto buscava dinheiro extra, o governo mantinha a
gastança, aumentando seguidamente a despesa com pessoal, queimando
dinheiro com incentivos mal planejados e transferindo centenas de
bilhões ao BNDES, para repasse a empresários eleitos como favoritos da
corte.
Por algumas diferenças o novo governo fica bem na comparação. Não se
pode acusá-lo, pelo menos até agora, das pedaladas financeiras e
maquiagens contábeis amplamente usadas na administração anterior. Em
segundo lugar, há o compromisso de evitar a relação incestuosa entre o
Tesouro e os bancos federais, uma das marcas da política anterior. Em
terceiro, já se iniciou, embora com sucesso limitado, a remoção de
incentivos setoriais tão custosos quanto ineficazes. Se houver alguma
dúvida sobre essa ineficácia, basta ver as indigentes taxas de expansão
econômica a partir de 2011. Além disso, uma nova política de crescimento
– ainda inexistente – poderá ser menos dependente do protecionismo.
Mas essa política permanece no território das vagas intenções. Depois, a
presidente promete manter a exigência de conteúdo nacional para as
compras da Petrobrás – um convite à elevação de custos, à ineficiência e
à corrupção. As falas do ministro Levy sobre produtividade e
competitividade colidem obviamente com essa orientação. Mas também sobre
esse tema a presidente parece pouco disposta a ouvi-lo.
“Estamos no meio de um ajuste”, disse o ministro da Fazenda na
quinta-feira. É obviamente um exagero. O ajuste mal começou. O programa
para 2015 foi praticamente abandonado e até a hipótese de um déficit foi
admitida pelos ministros da Fazenda e do Planejamento. A aceitação do
fracasso em 2015 e a redução da meta para 2016 devem dificultar a
administração da dívida pública.
Com ou sem rebaixamento da nota de crédito do Brasil, o financiamento do
Tesouro poderá ficar mais complicado, especialmente se os juros
americanos, como preveem muitos analistas, subirem antes do fim do ano.
Além disso, a inflação continua disparada e o Banco Central (BC)
dificilmente poderá afrouxar a política de juros em 2015. Também isso
complicará o controle da dívida, objetivo básico do prometido e ainda
emperrado ajuste fiscal.
Além de crescer muito menos que outros emergentes, e com inflação mais
alta, o Brasil carrega uma dívida pública bem maior que a de países com
grau comparável de desenvolvimento. Em maio deste ano a dívida bruta do
governo geral equivalia a 62,5% do PIB, segundo o BC. No fim de 2014,
pelos critérios do FMI, a dívida média nos emergentes era 40,5% do PIB
(65,8% no caso do Brasil). Na América Latina estava em 51,3%. A
tendência na maior parte do mundo é de melhora. No Brasil, de piora.
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