editorial da Folha de São Paulo
O Brasil está à deriva num mar tempestuoso. O lamentável desfecho do
debate acerca das contas públicas acentuou a sensação de que ninguém
controla o leme desse gigantesco transatlântico.
Reduzir a meta de economia de gastos em 2015 foi o menor dos males, pois
já estava clara a impossibilidade de o setor público destinar R$ 66,3
bilhões para abater a dívida ao final deste ano de aguda recessão. A
magnitude da revisão e sobretudo o modo como se desenrolou é que
recendem a capitulação.
O novo objetivo –saldo positivo de R$ 8,7 bilhões no cotejo entre
receitas e despesas não financeiras– já surge com uma cláusula que
perdoa seu descumprimento e admite deficit de até R$ 17,7 bilhões.
Premia-se a irresponsabilidade do Congresso, desobrigado desde logo de
votar o projeto de repatriamento de recursos mediante taxação, da qual
viria parte das receitas extraordinárias esperadas pelo governo para
fechar no azul.
Eis em microcosmo o pecado que permeia todo o episódio e projeta
incerteza sobre os próximos três anos e meio: à exceção do Ministério da
Fazenda, os atores institucionais relevantes para a condução da
política econômica se sentem livres para boicotar o ajuste.
Perfilam-se entre os sabotadores os líderes do Congresso e do
Judiciário, o ministro da Casa Civil, o titular do Planejamento e a
própria presidente da República, cuja inépcia se ressalta a cada decisão
importante que tem a tomar.
Esse comportamento geral de fugir da responsabilidade pelas medidas
amargas já fez estragos duradouros e, caso continue, será desastroso
para o futuro do país.
A desconfiança agora ameaça contaminar a própria Fazenda. É difícil
acreditar, por exemplo, na projeção oficial de que a dívida pública
bruta, próxima de 65% do PIB ao final deste ano, vai estabilizar-se
pouco acima de 66% em 2017 e começar a declinar no ano seguinte.
Como o governo também reduziu as metas de superavit do próximo biênio, é
bastante provável que a dívida suba sem parar e ultrapasse 70% do PIB
no final do mandato de Dilma Rousseff.
Será necessário mais que trabalho de convencimento para desfazer a
sensação de que as metas continuam a ser simples contas de chegada,
sempre moldáveis ao comportamento populista do Congresso e de setores do
Executivo.
O governo gasta mais do que pode arrecadar não em razão de uma recessão
circunstancial. O aumento a descoberto das despesas é fato inercial, a
repetir-se ao longo dos próximos anos a despeito das oscilações da
economia.
O que pode alterar esse quadro são reformas que alvejem as causas do
desajuste, a começar pela Previdência Social. Não faz sentido que um
brasileiro se aposente, na média, aos 54 anos de idade –antes que um
grego.
Se quiser recuperar a confiança maculada, Dilma Rousseff precisa
decidir-se sobre o rumo a seguir e agir resolutamente. Chega de
sustentar uma equipe desarmônica de ministros. Aos sabotadores a
mensagem deve ser clara: ou submetem-se ou deixam o governo.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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