por Elio Gaspari Folha de São Paulo
Prezada presidente,
Já lhe escrevi várias vezes, sem qualquer resultado. Pedi-lhe que
parasse de distribuir mau humor porque sei que riem de nós. Quando as
coisas iam mal, eu me deixava fotografar montando um dos meus cavalos, a
senhora monta sua bicicleta. Presidentes fazendo coisas desse tipo
rendem imagens, mas sabemos que isso é apenas teatro. Quem lhe disser
que a senhora se parece comigo está frito. Lastimo dizer-lhe: somos
parecidos. Eu não tinha como mudar. A senhora tem. Como? Não sei, nem
poderia lhe dizer.
Eu governei o Brasil de 1979 a 1985. Depois veio o Sarney (a quem não
passei a faixa). Juntos, levamos o país para o que hoje se chama de
"Década Perdida". Ela teria acabado em 1993, quando aquele caipira do
Itamar Franco botou o Fernando Henrique Cardoso no ministério da
Fazenda. O SNI achava que ele era comunista.
Hoje me dou bem com o Itamar e gosto de conversar com o Tancredo Neves.
Ele promete me reaproximar do general Ernesto Geisel, mas não está
fácil. Se a tal "Década Perdida" tivesse acabado em 1994, teria começado
em 1984. Não creio.
Ela começou antes, no meu governo.
A ruína de nosso país começou em 1982, quando fomos colocados diante de
uma situação econômica adversa e resolvemos pedalar. Eu fazia uma coisa,
desfazia, tentava outra, sempre anunciando que a crise era transitória e
sairíamos das dificuldades. Vieram o Sarney e o Itamar e tocaram o
mesmo realejo.
Escrevo-lhe para pedir-lhe que pense na coisa mais elementar: o buraco
está muito mais embaixo. A crise econômica do país é mais grave do que a
senhora diz, mas está no início. Talvez esse moço que a senhora pôs na
Fazenda tenha acreditado que resolveria com saltos triplos. Aprendeu que
não dá e o pior que pode acontecer à senhora é ter um ministro vendendo
otimismo e produzindo descrédito. Para desgraça geral, eu, o Sarney e o
Itamar jogamos esse jogo.
Toda vez que eu fazia uma besteira a senhora ficava feliz. Hoje, daqui,
não me alegro com suas bobagens. Essa história de crise transitória
levando ao crescimento depois da próxima esquina é ridícula. Aliás, essa
imagem veio do presidente americano Herbert Hoover em 1930, um sujeito
pernóstico que conversa muito com o Roberto Campos. O Franklin
Roosevelt, que governou depois dele, não o cumprimenta.
Crise é crise e a senhora está no meio de uma. Reconheça-a. Assuma-a. Se
o PT fizer cara feia, encare-o. O que arruinou a nossa economia foi a
minha incapacidade, a do Sarney e a do Itamar até 1993 de reconhecer o
tamanho do buraco e de enfrentar questões difíceis que pareciam
insuperáveis. Sarney e o Itamar foram mais hábeis que eu, costurando uma
base política. A minha, contudo, costurei-a abrindo espaço para
Tancredo, livrando o país de um governo presidido por Paulo Maluf.
Outro dia a senhora disse que a Lava Jato influenciou na redução da
atividade econômica em 1%. Eu sei quanto nos custam observações
coloquiais. Tem gente que acredita que eu preferia o cheiro de cavalo ao
do povo. Nossas derrapadas saem da alma, mas a senhora sabe que a Lava
Jato não influenciou a atividade econômica. Foram as roubalheiras que
provocaram a Lava Jato. Na dúvida, fique calada. Eu não conseguia.
Despeço-me porque os meu cavalos estão pedindo comida.
Atenciosamente,
João Baptista Figueiredo
extraídaderota2014blogspot
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