Fernando Gabeira - O Globo
São evidentes, mesmo com as barreiras de códigos, as relações íntimas entre a Odebrecht e o governo. Cúmplice na Lava-Jato, pede um contato ágil com o grupo de crise do governo. Esperar um contato ágil do grupo do governo é sonho de executivo. De todas as maneiras, isso demonstrava como estavam juntos, na tarefa de escapar da polícia.
Recados como este a Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma: avisa a ela que pode aparecer a conta da Suíça. Não é preciso grandes decifradores para supor que a campanha do PT foi feita com dinheiro que veio da Suíça. Bem que desconfiei. Uma campanha tão bem educada: a grana vinha da Suíça. Esse tópico é tão interessante que quase todos fingiram não notar, como se não olhar para a bomba impedisse que exploda.
Odebrecht usou métodos de máfia, ao mobilizar dissidentes da Polícia Federal para melar a Lava-Jato. Tudo indica que foram esses dissidentes, numa outra ação, que colocaram uma escuta clandestina na cela de Alberto Youssef, na esperança de anular o processo. Está quase tudo lá no telefone de Marcelo. Amigos poderosos, propinas, orientação para artigos. Numa dessas, ele reclama que o foco da Lava-Jato está sobre os empreiteiros e é preciso deslocá-lo para os políticos. Mas a tática está dando certo. Políticos são mais experientes e escorregadios. O grande material contra eles virá precisamente das delações, de anotações como essas do iPhone.
Marcelo Odebrecht optou pelo silêncio. Mas deixou pistas pelo caminho. Como se dissesse; se querem me pegar, trabalhem um pouco com a cabeça. Ele terá que se explicar ao juiz Sérgio Moro. Mas se usar a tática do bilhete, destruir/desconstruir, vai se dar mal. É hora de contar tudo ou então assumir as consequências. Até plano de fuga, saída Noboa, estava previsto em suas mensagens. Noboa é um dirigente equatoriano que fugiu do país para a República Dominicana.
Chega de esconde-esconde. Isso vale também para Dilma e o PT. Em Portugal, abriram-se investigações sobre o negócio entre telefônicas no Brasil. Uma equipe peruana vem investigar no país o caso Odebrecht, pois suspeita que houve corrupção. Os americanos monitoram a Odebrecht. O Brasil virou uma grande cena do crime. Qualquer dia vão nos cercar com aquelas fitas pretas e amarelas e chamar os turistas para filmarem o PT, aliados e a Odebrecht, dizendo que não roubaram nada. Foi tudo dentro da lei. Só pela cara de pau mereciam uma punição extra.
Hoje, Dilma, Renan e Eduardo Cunha constituem um triângulo das Bermudas. Nele desaparece toda a esperança. Cunha agora é contra Dilma, Renan também. Há quem ache que é preciso poupá-los porque são contra Dilma. Mas hoje quase todo mundo é. Cunha está sendo acusado de levar US$ 5 milhões da Toyo Setal. Um dos indícios era o requerimento que a deputada Solange Gomes apresentou para pressionar os empresários. O requerimento foi produzido no computador de Cunha.
Fui deputado com os dois, Cunha e Solange. Um dia, ela veio com um jabuti para acrescentar numa medida provisória: isentar a indústria nuclear de alguns impostos. Fui perguntar o que era aquilo e ela não sabia responder. Percebi que era apenas uma assinatura de aluguel. Trabalhava em sintonia com Eduardo Cunha. Quando surgiu essa pista do requerimento de Solange, mesmo antes de descobrirem que veio do computador de Cunha, na solidão do quarto hotel, soltei o grito da torcida do Atlético Mineiro:
— Eu acredito!
As próximas semanas devem ser decisivas contra essas forças que ainda dominam o Brasil mas estão em contradição com ele. Ministros, deputados, presidentes e ex-presidente, todos farão o esforço final para escapar da enrascada. Dilma contra Cunha, Renan contra Dilma, Dilma contra Renan, eles podem dançar à vontade o balé dos enforcados. Lembram-me uma canção da infância, nascida nas rodas de capoeira: “A polícia vem, que vem brava, que não tem canoa cai n’água. Pau, pau, peroba, foi o pau que matou a cobra.” Pelo menos cantávamos, naquela época.
Hora de recomeçar.
extraídadeaverdadesufocada
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